quarta-feira, 17 de maio de 2023

Os Chakras [ चक्र / cakra ] , segundo Mircea Eliade (1907-1986). Excertos e anotações

 


Esse conjunto de anotações integra a revisão sistemática da tese que considera o sistema de pontos e meridianos da acupuntura e por extensão o conjunto de chakras ou cakras, que é a forma romanizada do vocábulo (चक्र cakra) em sânscrito, como as primeiras representações do que hoje nós compreendemos como sistema nervoso com suas formas, funções e patologias.

Apesar da referida proposição se deter no sistema etnomédico ou medicina tradicional chinesa não é possível ignorar a relação entre as concepções indiana e chinesa com as suas promissoras aplicações que vem sendo reconhecidas em todo mundo desde meados do século XX.

Destacamos aqui os estudos e intervenções de Svoboda e Lade (no livro Tao e Dharma, 1995) que explora as semelhanças e diferenças desses dois sistemas etnomédicos, e intervenções clínicas de Gabriel Stux, publicadas entre outras edições no Medical Acupuncture, 1994. Gabriel Stux inclui na aplicação tradicional de agulhas da acupuntura as concepções do sistema indiano de chakra para diagnose das patologias e escolha do tratamento. Na pesquisa de Svoboda e Lade, na ilha, quase indiana, de Sri Lanka (Ceilão), com forte influência chinesa, que se estendeu a médicos tradicionais tratadores de elefantes e textos clássicos, eles constataram que apesar das doutrinas chinesas e indianas partilharem de temas comuns (destaca as semelhanças entre Chi e Prana), elas são essencialmente únicas, e seus conceitos não podem ser intercambiados na totalidade.

A escolha da análise da tese de Mircea Eliade (1907-1986) se deve não somente à pertinência do tema Chakras, mas também a excelência da metodologia empregada por ele para obter uma melhor compreensão de uma medicina ou espiritualidade exótica sem nos limitarmos a nossa própria orientação cultural. Sua tese sobre as doutrinas do Yoga, destinada a historiadores de religiões, psicólogos e filósofos (como ele a definiu) foi apresentada na Universidade da Romênia, (1932-1936) na cadeira de filosofia e filologia, foi posteriormente adaptada para livro (Chicago, 1967) com o nome de “Yoga, imortalidade e liberdade” de cuja tradução de Teresa Barros Velloso para o português extraímos aqui as descrições da concepção de chakra/ cakra, orientados pelas notas e índice remissivo da edição (1972/1996).

Sem o apoio das disciplinas da história e linguística, como evidencia em seu trabalho (e estudo do sânscrito e filosofia por quatro anos (1928-1931) na Universidade de Calcutá não teríamos obtido resultados tão precisos. A ênfase em linguística desenvolvida por ele se deve inclusive a natureza do sânscrito em sua relação aos idiomas europeus despertados pela filologia comparada indo ariana.

No caso da tese que estamos desenvolvendo sobre as representações “primitivas” do que hoje nós compreendemos como sistema nervoso, a nossa maior demanda não recai sobre a barreira linguística do entendimento de um conjunto de ideogramas chineses. Nossa maior dificuldade são as relações destes com a nomenclatura das patologias e disfunções do sistema nervoso historicamente identificadas tanto em nossa medicina ocidental como no sistema etnomédico chinês. Do mesmo modo que Eliade temos a análise do processo histórico de ambos os sistemas como guia, sendo que nossa ênfase é a antropologia médica.       

Nesse presente texto recortamos da valiosa contribuição de Eliade, que além de sua metodologia histórico-filológica, nos trouxe, de forma clara, a noção de que os chakras possuem relação com os plexos nervosos e qual a natureza desta relação, onde se inclui as noções de sono, sonho e demais estados de consciência, tão relevantes para a moderna neurociência. Os plexos nervosos ou plexos raquídeos, são conjuntos de  nervos motores sensitivos ou mistos, que contém por sua vez, fibras motoras ou sensitivas e tem uma distribuição fixa em um território próprio. Tais raízes ou troncos e ramos se entrelaçam e formam territórios distintos de sua raiz raquidiana e troncos nervosos, geralmente na forma de bandas organizadas paralelamente recordando sua disposição metamérica em zonas. (Testut, Latarjet p.219)

Analisando os estudos sobre efeitos fisiológicos do Yoga, Eliade identificou a existência de muitos métodos hatha-yóguicos para se obter resultados semelhantes, supondo que alguns de seus praticantes se especializaram em técnicas fisiológicas, mas outros (a maioria) seguiu a tradição milenar de uma fisiologia mística. Segundo ele pode afirmar que o cormo construído pelos Hatha-yoguis, os tantristas e alquimistas (que analisa em sua tese juntamente com as concepções Budistas, Bramanistas/hinduístas ou xamânicas dos primitivos aborígenes) descrevem o corpo de um “homem-deus”.

Em suas palavras:

“ De fato, apesar de os indianos terem elaborado um complexo sistema de medicina científica, nada nos leva a crer que as teorias da fisiologia mística tenham se desenvolvido na dependência dessa medicina objetiva e utilitária, ou ao menos vinculadas a ela. A “fisiologia sutil” formou-se provavelmente a partir de experiências ascéticas, extáticas e contemplativas, expressas na mesma linguagem simbólica da cosmologia e do ritual tradicional. Isso não quer dizer que tais experiências não tenham sido reais: elas eram reais, porém não no sentido em que um fenômeno físico é real. Os textos tântricos e de hatha-yoga chamam nossa atenção por seu “caráter experimental”, trata-se, porém, de experiências efetuadas em níveis distintos dos da vida cotidiana e profana. As “veias”; os “nervos” os “centros” dos quais falaremos, correspondem sem dúvida a experiências psicossomáticas e estão em relação com a vida profunda do ser humano, mas não parece que “veias” e termos semelhantes indiquem órgãos anatômicos e funções estritamente fisiológicas.

Tentou-se, muitas vezes, localizar anatomicamente essas “veias” e “centros”. Hermann Walter, por exemplo, acredita que, no hatha-yoga, nādi signifique “veias”; ele identifica idā e pingalā com a carótida (loeva et dextra) e brahmarandhra com a sutura frontal (cf. H.Walter,Svātmārāna’s Hatha-yoga-pradipikā, München, 1893, p. IV, VI e IX).

De outro lado, a identificação dos “centros”; (cakra) com seus plexos tornou-se corrente: mūlādhāra-cakra seria o plexo sagrado; svādhisthāna, o plexo prostático; manipūra, o plexo epigástrico; anāhata, o plexo faríngeo; ājnā, o plexo cavernoso. Contudo, basta ler atentamente os textos para perceber que se trata de experiências transfisiológicas; todos esses “centros” representam “estados yóguicos”, isto é, inacessíveis sem ascese espiritual. As mortificações e as disciplinas meramente psicofisiológicas não são suficientes para “despertar” os cakra ou penetrá-los; o essencial, o indispensável, continua sendo a meditação, a realização espiritual. Assim, é mais prudente considerar a “fisiologia mística” como resultado e conceituação das experiências levadas a efeito, esses últimos efetuavam suas experiências em um “corpo sutil”, isto é, por meio de sensações, tensões, estados transconscientes inacessíveis aos profanos. Eles dominavam uma zona infinitamente mais vasta que a zona psíquica “normal”, penetravam nas profundezas do inconsciente e sabiam “despertar” as nascentes arcaicas da consciência primordial, fossilizadas na maioria dos seres humanos.

Segue então os excertos de suas reflexões e descrições dos Cakras.

Segundo a tradição indiana existem sete cakra importantes que se relacionam com os seis plexos e a sutura frontal.

1º) Mūlādhāra (mūla = raiz) está situado na base da coluna vertebral, entre o orifício anal e os órgãos genitais (plexo sacrococcigiano). Tem forma de lótus vermelho com quatro pétalas, nas quais estão escritas em ouro as letras v, s, s’, s. . No meio do lótus um quadrado amarelo, emblema do elemento terra (prthiví), tem no centro um triângulo com o vértice invertido, símbolo da yoni, chamado kāmarūpa; no coração do triângulo está svayambhūlinga (o linga existente por si mesmo), de cabeça brilhante como uma joia. Enrolada oito vezes (tal como uma serpente) ao redor de si mesma, brilhante como o relâmpago, dorme kundalini, obstruindo com a boca (ou cabeça) a abertura do linga. Kundalini fecha dessa maneira o brahmadvāra (porta de Brahman) e o acesso à susumnā. O mūlādhāra-cakra relaciona-se com a forca coesiva da matéria, a inércia, o nascimento do som, o sentido do olfato, a respiração apāna, os deuses Indra, Brahmā, Dakīni, Śakti etc.

2º) Suādhisthāna-cakra, também chamado jalamandala (porque seu elemento é jala = água) e medhradhāra (medhra=pênis), está situado na base do órgão gerador masculino (plexo do sacro). Tem forma de lótus com seis pétalas de cor vermelho-alaranjado, onde estão inscritas as letras b, bh, m, r; l e y. No centro do lótus há uma meia-lua branca que tem relaçāo mística com Varuna. No meio da lua, um bija-mantra em cujo centro está Visnu flanqueado pela deusa Sākinī (segundo a Śiva-samhitā, V,99, trata-se de Rākinī). O svādhisthāna-cakra está relacionado com o elemento água, a cor branca, a respiração prāna, o sentido do gosto, a mão etc.

3º) Manipūra (mani = jóias; pūra = cidade) ou nābhisthāna (nābhi= umbigo), situado na região lombar na altura do umbigo (plexo epigástrico), tem forma de lótus azul com dez pétalas e as letras d, dh,n, t, th, d, dh, n, p, ph. No meio do lótus há um triângulo vermelho e sobre o triângulo o deus Mahārudra, sentado sobre um touro, tem ao seu lado Lākinī Śakti, de cor azulada. Este cakra relaciona-se com o elemento fogo, o Sol, o rajas (fluido menstrual), a respiração samāna, o sentido da visão etc.

4º) Anāhata (anāhata s’abd é o som que produzem, sem se tocarem, dois objetos, isto é, “um som místico"); está na região do coração, sede do prāna e do jivātman. De cor vermelha, tem forma de lótus com doze pétalas douradas (onde estão inscritas as letras k, kh, g, gh etc.). No meio do lótus há dois triângulos dispostos em forma de “selo de Salomão”, cor de fumaça, no centro do qual se acha outro triângulo dourado contendo um linga brilhante. Acima dos dois triângulos está Īśvara associado à Śakti Kākinī (de cor vermelha). Esse chacra está relacionado com o elemento ar, o sentido do tato, o falo, a forca motriz, o sistema sanguíneo, etc.

5º) Visuddha (o cakra da pureza) está na região da garganta, (plexo laríngeo e faríngeo, na junção da espinha dorsal com o bulbo raquidiano), sede da respiração udāna e do bindu. Tem forma de lótus de dezesseis pétalas de cor vermelho-acinzentado (com as letras a, ā, i, u, ù etc.). No interior do lótus, um espaço azul, símbolo do elemento ākāsa (éter, espaço), tem no meio um círculo branco contendo um elefante. Sobre o elefante repousa um bija-mantra (hang) sustentando Sadāśiva, metade prata, metade ouro, pois o deus está representado em seu aspecto andrógino (ardhanārisvara). Sentado em um touro, tem em suas numerosas mãos uma enorme quantidade de objetos e emblemas que lhe são característicos (vajra, tridente, sino etc.). Metade de seu corpo constitui a Sadā Gaurī, com dez braços, cinco faces (cada uma com três olhos). Este cakra está relacionado com a cor branca, o elemento éter (ākāsa), o sentido da audição, a pele, etc.

6º) Ajnā (ordem, comando), este cakra está situado entre as sobrancelhas (plexo cavernoso). Tem forma de lótus branco com duas pétalas onde estão inscritas as letras h e ks’. É a sede das faculdades cognitivas: buddhi, ahamkāra, manas e os indriya (sentidos) em sua modalidade sutil. No lótus há um triângulo branco com o vértice invertido (símbolo da yoni); no meio do triângulo, um linga igualmente branco chamado itara (o "outro"). Aqui fica a sede de Paramaśiva. O bija-mantra é OM. A deusa tutelar é Hākini: ela tem seis rostos e seis braços e está sentada em um lótus branco.

7º) Sahasrāra-cakra. Localizado no topo da cabeça, sua forma é a de lótus virado para baixo, com mil pétalas (sahasra = mil). Também chamado brahmasthāna, brahmarandhra, nirvāna-cakra etc., suas pétalas exibem todas as articulações possíveis do alfabeto sânscrito, que tem 50 letras (50 x 20). No meio do lótus acha-se a lua cheia que encerra um triângulo; aí se experiencia a uniāo final (unmani) de Śiva e Śakti, finalidade do sādhana tântrico; aí também desemboca a kundalini depois de ter perpassado os seis cakra inferiores. É necessário notar que o sahasrāra-cakra não pertence ao nível do corpo, ele já designa o plano transcendente - isso explica por que se fala geralmente da doutrina dos "seis cakra".

[ Muitas vezes um esquema mitológico é interiorizado e encarnado, utilizando-se a teoria tântrica dos cakra. No poema vixnuíta intitulado Brahma-samhitā o sahasrāra-cakra é assimilado a Gokula, morada de Krsna ] p.222

Existem outros cakra menos importantes. Assim, entre o mūlādhāra e o svādhisthāna acha-se o yonisthāna, lugar de reunião de Śiva e Śakti, lugar de beatitude, também chamado (como o próprio mūlādhāra) kāmarūpa, isto é, desejo e forma. É a fonte do desejo e, em nível carnal, uma antecipação da união Śiva-Śakti, que se completa no sahasrāra. Perto do ājñā-cakra acham-se o manas-cakra e o soma-cakra, relacionados com as funções intelectivas e certas experiências yóguicas. Perto ainda do ājñā-cakra existe também o kārana-rūpa, sede das sete formas causais, consideradas produtoras e constituintes do corpo sutil e do corpo físico. Enfim, outros textos falam de certo número de ādhāra (suportes, receptáculos), situados entre os cakra ou identificados com eles.

Na tradição hesicasta (de oração solitária) distinguiu-se segundo certos autores, quatro “centros” de meditação e prece: 1º centro craniano cérebro-frontal (localizado na região entre as sobrancelhas); 2º) centro buco-laríngeo (correspondente ao “pensamento mais comum: o da inteligência que se expressa na conversação, na correspondência e nos primeiros estágios da oração”, A Bloom); 3º) centro peitoral (“situado na parte superior e média do peito”. A estabilidade do pensamento, já colorido por um elemento tímico, é muito maior nos casos anteriores, mas é ainda o pensamento que define a coloração emocional e que é modificado por ela” A. Bloom); 4º) centro cardíaco (situado “na parte superior do coração, um pouco abaixo da mama esquerda”, segundo os Padres gregos “um pouco acima”, segundo Theophane, o Recluso e outros “É o local físico da atenção perfeita”; Antoine Bloom (L’ hesychasme, Yoga Chrétien? p.185)

Os tantras budistas admitem somente quatro cakra, situados respectivamente nas regiões umbilical, cardíaca, laríngea e cerebral. Este último, o mais importante, chama-se usnisa-kamalā (lótus da cabeça) e corresponde ao sahasrāra dos hindus. Nos três cakra inferiores estão localizados os três kāya (corpos): nirmāna-kāya no cakra umbilical, dharma-kāya no cakra do coração e sambhoga-kāya no cakra da garganta. Porém, observam-se anomalias e contradições relativas ao número e localização desses cakra (ver Dasgupta, An Introduction to Tantric Buddhism, p.163 e ss.). Da mesma forma que nas tradições hindus, os cakra sāo associados às mudrā e às deusas, neste caso: Locanā, Māmaki, Pāndarā e Tārā (Sri-samputikā, citado por Dasgupta, op. cit., p. 165). O Hevajra-tantra oferece uma longa lista de "quaternidades" relacionadas com os quatro cakra: quatro tattva, quatro anga, quatro momentos, quatro nobres verdades (ārya-sattva) etc. (ib., pp. 166-167)

Vistos em projeção, os cakra constituem um mandala cujo cento é marcado pelo brahmarandhra. É nesse centro que tem lugar a ruptura de nível, onde se efetua o ato paradoxal da transcendência, a superação do samsāra e a "saída do Tempo". O simbolismo do mandala é igualmente constitutivo dos templos e de toda construção sagrada indiana: visto em projeção, um templo é um mandala. Pode-se então dizer que toda circum-ambulação equivale a uma marcha de aproximação ao Centro, e que a entrada em um templo repete a inserçāo iniciática em um mandala ou a passagem da kundalini através dos cakra. Além disso, o corpo é transformado, ao mesmo tempo, em microcosmos (com o monte Meru como centro) e em panteão, cada região e cada órgão sutil com sua divindade tutelar, seu mantra, sua letra mística etc. O discípulo não apenas se identifica com o cosmos, mas também chega a redescobrir em seu corpo a gênese e a destruiçāo dos universos. Como veremos, o sādhana compreende duas etapas: 1°) a "cosmizacão" do ser humano; 2°) a "transcendência" do cosmos, isto é, sua "destruição” pela unificação dos contrários (Sol, Lua etc.). O sinal por excelência da transcendência é constituído pelo ato final da ascensão da kundalini: sua união com Śiva, no topo da caixa craniana, no sahasrāra.

KUNDALINI

Já mostramos vários aspectos da kundalini, ora descrita como serpente, ora como deusa ou energia. O Hatha-yoga-pradipikā, III, 9, apresenta-a como "Kutilāngi (a do corpo torcido), Kundalinī, Bhujangī (serpente fêmea), Sakti, Iśvarī, Kundalī, Arundhatī, termos todos equivalentes. Da mesma forma que se abre uma porta com uma chave, o yogin abre a porta da liberação (mukti) libertando a kundalini mediante o hatha-yoga" (cf. Goraksa Sataka,51). Quando a Deusa adormecida é acordada pela graça do guru todos os cakra são rapidamente atravessados (Siva-samhitā,IV, 12-14; Hatha-yoga-pradipikā,III,1 e ss.). Identificada com Śabdabrahman ,isto é,com o mantra OM, a kundalini acumula os atributos de todos os deuses e todas as deusas (Saradā-tilaka-tantra, I, 14,55;XXV,6 e ss.).

p. 202-205; 337

CONCENTRAÇĀO (DHĀRANĀ)

A concentração (dhāranā, da raiz dhr, conservar fechado) é na realidade a fixação em um único ponto, mas cujo conteúdo é estritamente conceitual. Em outras palavras dhāranā, objetiva deter o fluxo psicomental e fixa-lo em um único ponto – realiza essa fixação, a fim de compreender. Na definição de Patañjali, ela é a fixação do pensamento em um único ponto (Yoga Sutra III, 1 ). Vyāsa indica com precisão que a concentração se dá geralmente no centro (cakra) do umbigo, no lótus do coração, na luz da cabeça, na ponta do nariz, na ponta da língua ou em um lugar ou objeto exterior (Yoga Sutra III, 1). Vācaspati Mis’ra acrescenta que não se pode obter a dhāranā, sem a ajuda de um objeto ao qual se fixe o pensamento. 

Comentando o Yoga Sutra III, 1 Vyāsa já falava da concentraçāo no “lótus do coração”. Esta experiência já é encontrada nas Upanisad, sempre relacionada com o encontro com o próprio Si (atman). A luz “do coraçāo”, terá um destino excepcional em todos os métodos místicos indianos pós-Upanisad. A propósito desse texto de Vyāsa,Vācaspati Miśra descreve longamente o lótus do coração: ele tem oito pétalas e se situa de cabeça para baixo, entre o abdome e o peito; é necessário inverter sua posição, retendo a respiração (recaka) e concentrando nele a mente (citta). No centro do lótus encontram-se o disco solar e a letra A; ali é a sede do estado de vigília. Acima encontramos o disco lunar com a letra U; é a sede do sono. Mais acima ainda está o “círculo do fogo”com a letra M, sede do sono profundo. Enfim, acima deste último, encontra-se o “círculo mais alto, cuja essência é o ar”, sede do quarto estado (“estado cataléptico”). Nesse último lótus, mais exatamente em seu pericarpo, situa-se o ”nervo (nādi) de Brahman”, orientado para o alto e desembocando no círculo do Sol e nos demais círculos: aqui começa a nādi chamada susumnā, que também atravessa os círculos exteriores. Aqui é a sede de citta; concentrando-se nesse preciso ponto o yogin obtém a consciência de citta (em outros termos, toma consciência da consciência). ...

O importante é deixar claro desde já que a tradição do Yoga clássico, representada por Patañjali, conheceu e usou os esquemas da “fisiologia mística”; chamada a desempenhar um papel importante na história da espiritualidade indiana. ...

p.71-72

ELIADE, Mircea. Yoga, imortalidade e liberdade. SP: Palas Atenas, 1996

Outras referências

SVOBODA, Robert; LADE, Arnie. Tao e Dharma. SP: Editora Pensamento, 1995

STUX, Gabriel. Chakra acupuncture.Medical Acupuncture, 1994 Volume6/ Nº1 http://www.medicalacupuncture.org

TESTUT, L.; LATARJET, A. Tratado de anatomia humana Tomo III). Barcelona: Salvat Ed. 1983

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Ilustraçāo: Chakra positions in relation to nervous plexi.

C. W. Leadbeater (1847-1934). The book "The Chakras, 1927

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VER TAMBÉM

ACUPUNTURA DE CHAKRA

GABRIEL STUX, M.D. / Tradução: Paulo Pedro P.R. Costa, 2013

https://etnomedicina.blogspot.com/2013/06/acupuntura-de-chakra.html



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domingo, 16 de abril de 2023

Meridianos & Mitos

Esse texto integra a proposição de analisar a medicina tradicional chinesa e acupuntura enquanto um sistema etnomédico, tomando como referência as suas concepções sobre o cérebro, mar de medula (suǐ hǎi) nos textos chineses, descrevendo as características míticas e empíricas, que nos permitem compreender e identificar a lógica de construção do raciocínio clínico inerente a essa prática cultural, analisando simultaneamente as atuais perspectivas de interpretação e integração da acupuntura à neurociência.



Entre os acupunturistas atribui-se a um diálogo entre o Imperador Amarelo, Huangdi 黄帝, e seu ministro médico, Qi Bo - 岐伯,o primeiro texto escrito sobre a medicina da antiga China que ficou conhecido como Huang Di Nei Jing (内經) "O Livro do Imperador Amarelo".

A tarefa de interpretar esse achado, de pelo menos 2000 anos (considerando sua compilação na Dinastia Han), é essencial para compreensão da Medicina Tradicional Chinesa e, é uma infantilidade lhe atribuir rótulos de pseudociência (como assim fazem alguns editores da wikipédia e biomédicos fanáticos) para não se apropriar dos recursos da antropologia médica na sua interpretação.

A título de exemplo segue algumas anotações sobre os conhecidos conceitos de “meridianos”, canais de acupuntura: 经络 Jīng Luò (Ching-Lo) e Hsüeh acupontos ou pontos de acupuntura.

Lê-se no capítulo 56 do Nei Ching, o livro do Imperador Amarelo, “Sobre as Camadas da Pele”. (Utilizamos a tradução/versão da Dinastia Tang por Bing Wang).

Disse o Imperador Amarelo: as várias camadas da pele pertencem respectivamente aos doze canais; na distribuição dos vasos, alguns são verticais e outros horizontais... as doenças provenientes dos vários órgãos são diferentes, e podem ser distinguidas pelas partes da pele que pertencem respectivamente a cada um deles;

Disse Qibo: Quando se deseja determinar a qual canal pertence a parte da pele, deve-se basear nas localizações que o canal atinge e por onde passa. As condições de todos os doze canais são as mesmas.

Adiante (no capítulo 58 “Sobre os Acupontos” se lê:

... o Imperador Amarelo dispensou as pessoas ao redor, levantou-se e se prosternou várias vezes dizendo ..."Seu discurso de hoje ilumina minha ignorância e alivia minha perplexidade. Desejo conservar todas as suas palavras num cofre de ouro, e não as perder de forma alguma; guardarei o cofre de ouro na biblioteca real e o nome do arquivo é "As Posições dos Acupontos"

Disse Qibo: A diferença do vaso do colateral imediato e do canal, é que o vaso do colateral imediato pode despejar o sangue quando estiver abundante. Como os trezentos e sessenta e cinco vasos, todos se conectam com os colaterais, a superabundância de sangue pode penetrar nos colaterais e depois nos canais. A penetração não se limita aos catorze canais... (os doze canais, mais os canais Ren e Du).

Observe-se a forma propria e a complexidade como são apresentados os conceitos de acupontos e canais que atualmente tentamos (e não há como deixar de tentar) interpretar como estruturas anatômicas e funcionais da pele e sistema nervoso, para explicar os efeitos clínicos da acupuntura, moxabustão potencializados pela fitoterapia e outros recursos da medicina tradicional chinesa.

Needham e  Gwei-Djen após discorrerem sobre a grafia e distinção dos diversos tipos de acupontos e canais (principais, colaterais e extraordinários) abstratos e invisíveis, nos explicam que os pontos dessa rede de canais, onde se inserem as finíssimas agulhas, como sugere o nome Hsüeh (que significa um buraco ou uma minúscula cavidade ou fenda), tem o sentido de meios de transmissão, 'por onde entra e sai o shen chi (pneuma da vida), e como se lê no Ling Shu (uma parte do clássico livro do Imperador Amarelo), “os pontos não estão nem na pele, nem na carne, nem nos músculos nem nos ossos”.

Sem dúvidas lidamos com as narrativas simbólicas e metafóricas dos sistemas míticos. Contudo nos remetem a práticas voltadas para conservação ou recuperação da saúde. Sabe-se também que a Organização Mundial da Saúde em um simpósio sobre acupuntura em 1979 apresentou uma lista com cerca  de 40 doenças ou agravos que podem ser tratadas adequadamente com essa abordagem. Tal relação abrangia principalmente os distúrbios neurológicos, musculoesqueléticos associados à dor e distúrbios psicossomáticos. (Bannerman, 1979 )

Segundo Ching-Liang (2012), em artigo de revisão, apesar da eficácia da acupuntura como tratamento para doenças ou distúrbios do sistema nervoso ter sido questionada, principalmente porque possui um número limitado de ensaios clínicos controlados publicados, a acupuntura é comumente usada para amenizar dor e tratar doenças e distúrbios dele, como: acidente vascular cerebral, demência, doença de Parkinson, epilepsia, paralisia de Bell, síndrome do túnel do carpo e cefaleias tensionais.  

O que se sabe, é que ao longo dos supostos meridianos, encontram-se os pontos de acupuntura ou acupontos, que são estimulados por agulhamento, pressão ou calor para resolver um problema clínico com relativo sucesso em diferentes patologias.

Com a cautela dos que recomendam estudos e pesquisas adicionais, Longhurst (2010) nos sinaliza que apesar dos diversos métodos usados para identificar os meridianos e explicá-los anatomicamente - estruturas tendino-musculares, primo-vasos (dutos de Bonghan *), regiões de temperatura elevada e baixa resistência da pele - nenhum desses métodos atendeu aos critérios de definição de um meridiano, entidade que, quando estimulada pela acupuntura, pode resultar em melhora clínica e reforça a  “hipótese neural” afirmando que a influência clínica da acupuntura é transmitida principalmente por meio da estimulação de nervos sensoriais que fornecem sinais ao cérebro, que processa essas informações e causa alterações clínicas associadas ao tratamento.

Para alguns autores como Cai (1992), acupuntura é baseada em neuroanatomia e neurofisiologia. Em cada ponto de acupuntura, existem nervos periféricos e terminais, e a acupuntura pode ser útil para uma maior compreensão do sistema nervoso.

Por outro lado, observe-se que esta proposição apesar de inquestionável do ponto de vista anatômico, é excessivamente reducionista, e com assinala Dumitrescu (1996), entre outros, não é possível separar o mecanismo neural das respostas bioquímicas do sistema imune, psicológico e emocional (psico-imune-neuro-endócrino).

Segundo revisão bibliográfica desse último citado autor (Dumitrescu, 1996), a camada córnea da pele constitui uma verdadeira membrana semipermeável que por suas qualidades físicas participa, além das funções de proteção e excreção, da atividade eletrodérmica, integrada aos mecanismos neuroendócrinos da regulação da transpiração termogênica da adaptação ao meio ambiente e psicogênica, ou seja a resposta galvânica da pele (alteração da resistência elétrica da pele que ocorre com as emoções e situações específicas).  

Integram ainda aos receptores de dor e calor distribuídos na superfície epitelial, sinalizadores moleculares nos fluidos intersticiais, nas relativamente bem conhecidas as sequencias de reações bioquímicas das respostas pró e anti-inflamatórias (tétrade da inflamação): dor, calor, tumor (inchaço) e rubor (vermelhidão e hiperemia), descritas por Aulus Cornelius Celsus (c. 25 BC – c. 50 AD) e modificadas por Rudolf Virchow (1821-1902), que acrescentou a perda de função da parte afetada.  (Reid, 2011; Bechara; Szabó, 2006)

Inclusive é extremamente plausível que existam correntes de difusão de compostos bioquímicos, eletrolíticas no fluido intracelular. Sabemos que um homem saudável médio tem cerca de 60% de água em peso, e cerca de um terço dessa água encontram-se no compartimento fora das células, como fluido intracelular, seja no plasma sanguíneo (20%) e 80% desta no espaço extracelular e linfático. Os fluidos são constantemente trocados entre esses compartimentos, movendo-se através das paredes dos capilares e das membranas celulares. (Ver ilustração da Science Photo Library)

Além dos mecanismos imunitários, celulares e bioquímicos, por que não explorar os aspectos psicossociais do fenômeno, a exemplo da bem definida “eficácia simbólica” descrita por Lévi-Strauss que inclusive nos permite compreender melhor a dimensão psicossomática do efeito placebo.

A concepção de eficácia simbólica consiste, segundo esse auto na propriedade indutora de uma transformação orgânica que possui uma determinada estrutura, característica das categorias universais da cultura ou da linguística em relação a outras estruturas formalmente homólogas dos processos orgânicos, psiquismo inconsciente ou pensamento consciente, ou seja, uma reorganização estrutural.

Desenvolveu esse conceito analisando um texto mágico-religioso dos índios Cuna, do Panamá e propôs que a cura xamânica se situa a meio do caminho entre nossa medicina orgânica e as terapêuticas psicológicas semelhantes à psicanálise (Lévi-Strauss, 1975 a)   

Em outro texto desse mesmo período na crença destaca a importância das tradições e consenso do grupo social na crença do doente nos poderes do curador ou eficácia de sua arte / técnica, mas inverte magistralmente esse princípio ao demonstrar que o xamã não adquire seu prestígio e poder porque curava os doentes e sim curava os doentes porque adquiriu prestígio e poder. (Lévi-Strauss, 1975 b)    

Observe-se também que o ponto de partida da referida análise estrutural, um texto mágico-religioso ou mítico. 

Eliade “procurando” uma definição de mito que seja aceita tanto por eruditos e por não-especialistas, nos adverte que o mito é uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas e complementares.  

Assim sendo, e analisando a medicina tradicional chinesa e acupuntura enquanto uma prática com milhares de anos de existência, que além da realidade orgânica do processo saúde doença nos remete aos abstratos e metafóricos conceitos do Taoísmo, reafirmamos que: não há como não se apropriar dos recursos da antropologia médica para sua interpretação.

É ainda Eliade que nos esclarece que é o aprendizado do mito de sua origem, o que nos permite o domínio de diversas realidades (cósmicas, o fogo, as colheitas, as serpentes, etc.). Por extensão, a realidade das doenças, as impurezas, os perigos, a cura e a própria medicina, no caso advinda das tradições orientais, mais especificamente chinesa, com seus ideogramas e relações conceituais que nos possibilita as intervenções clínicas.    

Interessante que no estudo de interpretação dos ideogramas de meridianos e acupontos tenhamos recorrido ao conceito de sistema nervoso e psiquismo ou energia psíquica, para um melhor compreensão e que os chineses no estudo e entendimento de nervo shénjīng e neurônio 经元 shénjīng yuán, recorreram aos ideogramas de espírito e essência, o enigmático e mítico Shén (espírito/consciência) que se localiza no coração, a sede da ética que temos visto faltar na medicina contemporânea governada pela ganância.  

Nota

[ * ] Na década de 1960, o cientista norte coreano, Kin Bong-Han relatou a existência de estruturas tubulares dentro e fora de vasos sanguíneos e linfáticos, bem como também sobre a superfície de órgãos internos e sob a pele. (Longhurst, 2010)

Outros ideogramas citados

经络 - Jīng Luò - Canais ou Meridianos / Ching-Lo Hsüeh – Acuponto

Huangdi 黄帝 / Qi Bo 岐伯 /Huang Di Nei Jing 内經 "O Livro do Imperador Amarelo".

Referências

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BECHARA, G. H.; SZABÓ, M. P. J. Processo Inflamatório. 1. Alterações Vasculares e Mediação Química. 2006. Disponível em: < http://www.fcav.unesp.br/Home/departamentos/patologia/GERVASIOHENRIQUEBECHARA/inflam_aspectosvasculares2006.pdf>. Acesso em: 15/04/2023

CAI, Wuying (1992). Acupuncture and the Nervous System. The American Journal of Chinese Medicine, 20(3n4), 331–337. doi:10.1142/s0192415x92000369

CHING-LIANG Hsieh (2012). Acupuncture as treatment for nervous system diseases. 2(2), –. doi:10.1016/j.biomed.2012.04.004 https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S2211802012000289   Acesso em 15/04/2023

DUMITRESCU, Ioan Florin. Acupuntura científica moderna. SP, Andrei, 1996

ELIADE, Mircea. Mito e realidade. SP: Perspectiva, 1972

LÉVI-STRAUSS, Claude. A eficácia simbólica. in: LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1975 (a)

LÉVI-STRAUSS, Claude. O feiticeiro e sua magia. in: LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1975 (b)

LONGHURST, John C. (2010). Defining Meridians: A Modern Basis of Understanding. Journal of Acupuncture and Meridian Studies Volume 3, Issue 2, June 2010, Pages 67-74; doi:10.1016/s2005-2901(10)60014-3

MOLLOY Cordelia. Body fluid compartments, (illustration C049/3379). Science Photo Library. https://www.sciencephoto.com/media/1120279/view/body-fluid-compartments-illustration Acesso 15/04/2023

NEEDHAM, Joseph; GWEI-DJEN, Lu; SIVIN. Celestial lancets: a history and rationale of acupuncture and moxa. Cambridge University Press, 2000 ISBN 0521632625

REID, R. et.al. (2011). Pathology Illustrated. Seventh edition. Churchill Livingstone Elsevier Ltd: 2011: p.32

WANG, Bing. Princípios de Medicina Interna do Imperador Amarelo (Dinastia Tang – Edição bilíngue). São Paulo. Editora Ícone. 2001.

 

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VER TAMBÉM

- 2009: O Sistema Etnomédico Chinês. Medicina tradicional X Ciência moderna
http://etnomedicina.blogspot.com/2009/09/o-sistema-etnomedico-chines.html

- 2011: O movimento das cinco estações
http://etnomedicina.blogspot.com/2011/03/o-movimento-das-cinco-estacoes.html

- 2011: Specimen Medicinae Sinicae
http://etnomedicina.blogspot.com/2011/12/specimen-medicinae-sinicae.html

- 2014: Cérebro ,o mar de dentro 髓海 
http://etnomedicina.blogspot.com/2014/03/cerebro-o-mar-de-dentro.html

- 2017: A criação de Pan Gu
http://etnomedicina.blogspot.com/2017/08/a-criacao-de-pan-gu.html

 

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domingo, 30 de janeiro de 2022

Neurobiologia do sistema nervoso autônomo e suas conexões com o ouvido externo na auriculoacupuntura

 


RESUMO
Este texto inicialmente foi apresentado como anexo ou artigo complementar da monografia “O mar de dentro, um estudo da concepção de cérebro, e mente no sistema etnomédico chinês” apresentada em 2003 no curso de especialização em Acupuntura Sistêmica e Auriculoacupuntura, ministrado pelo Prof. Jurecê J. Machado na Clínica Escola Científica de Acupuntura - CLIMA na época filiada à ABA Associação Brasileira de Acupuntura por organização do Dr. Haeckel Meyer um dos fundadores da acupuntura na Bahia. Discorre sobre a relação entre as possíveis conexões do sistema nervoso cental, mais especificamente do tronco cerebral, com o conjunto de nervos presentes no pavilhão auricular, explorando sua forma, função e potencial utilização clínica na medicina tradicional chinesa e ocidental.

Auriculoacupuntura (耳針 Ěr zhēn )

Entre antigas obras da medicina chinesa existem diversas referências a estimulação de pontos na orelha entre os métodos de tratamento. Muitas livros e artigos inclusive citam que o próprio Nei Jing (内經) em suas notas que tratam das estreitas relações entre a orelha e outros órgãos indicando que alterações fisiológicas e patológicas do coração, rins, cérebro, fígado, baço, intestino grosso e delgado se refletem na orelha (Weikang, p.30-31; Dulcettti Jr., p.8-9; Chan, p.14)  

A prática médica resultante destas observações sobreviveu até os nossos dias e tem sido denominada aurícula acupuntura, do in auricular ou medicina auricular sempre se referindo a métodos de observação e estimulação de cada região ou ponto do pavilhão do ouvido externo com fins profiláticos ou terapêuticos.

No sistema chinês de explicação tal possibilidade de diagnóstico e/ou de eficácia terapêutica se deve a conexão do pavilhão da orelha com "canais colaterais" feito o Yang Wei que entra na orelha após circundar a cabeça e/ou com seis (6) entre os doze (12) meridianos ordinários Yang que entram e passam em torno da orelha. Os meridianos Yang (Tai yang da mão (ID); Yang ming da mão (IG); Shao yang da mão (san jiao (SJ) ou tríplice aquecedor (TA) e Shao yang do pé (VB) entram na orelha e os meridianos do estômago (E) e bexiga (B) atingem a região periauricular. Os meridianos Yin conectam-se indiretamente através dos canais colaterais. (Weikang, o.c.; Machado, Quatro institutos, p.401-402)

Segundo o Nei Jing (内經), o sangue de todos os 12 meridianos sobe até a face e o cérebro, seus ramos atingem a orelha para tornar a audição normal. Alguns exemplos do Nei Jing (内經) compilado por Bing Wang durante a dinastia Tang 唐朝 (618-906):

... os cinco canais, Shaoyin da Mão (Coração), Shaoyin do Pé (Rim), Taiyin da Mão (Pulmão), Taiyin do Pé (Baço-pâncreas) e Yangming do Pé (Estômago) se reúnem no ouvido, e ascendem para circundar o ângulo frontal acima do ouvido esquerdo, se a energia do canal do cinco tipos de colaterais estiver esgotada, quando a energia perversa invadir, isso fará com que se perca a consciência; ao contrário de quando o funcionamento dos canais no corpo todo está normal, o paciente se assemelhará a um cadáver, e a isso se chama síncope. p.312

Inclusive, nesse capítulo sobre a punção contralateral, recomenda para síncope ... se a picada for ineficaz, soprar as duas orelhas do paciente com um tubo de bambu e haverá recuperação imediata... p.312

Sobre as doenças febris: ... "No terceiro dia, o mal é transmitido ao Shaoyang (SanJiao/ tríplice Aquecedor -?). O Canal Shaoyang se encarrega dos ossos e corre junto às duas partes laterais do tórax, circundando as duas orelhas, por isso o [calor] perverso irá causar dor no peito e no hipocôndrio, e ensurdecimento nos ouvidos. p. 175

Além da descrição de diversos pontos tomando como referência as orelhas, destaca especialmente a conexão como o meridiano dos rins (Shao yin do pé), no capítulo onde relaciona os órgãos internos às doenças, a saber:

..."Quando a pele for escura e de textura fina, os rins serão pequenos; quando a textura for espessa, os rins serão grandes. Quando as duas orelhas estiverem em posição elevada, os rins estarão em posição alta; quando as orelhas estiverem voltadas para trás, os rins estarão em posição baixa; quando a pele e os músculo da orelha da pessoa forem substanciais, os rins estarão firmes; quando a pele e os músculos forem finos e não estiverem firmes, os rins serão frágeis. Quando as duas orelhas forem arredondadas e se situarem em frente dos dois ângulos das têmporas, os rins estarão em posição correta; quando uma orelha for mais alta do que a outra, os rins estarão enviesados. Para a condição das cinco variações acima, se for mantida corretamente nas condições específicas ele pode ser estável; se estiverem mal adaptadas causando lesão, ocorrerá a doença”... p.696

Segundo Dulcetti Jr., além do Nei Jing (内經), encontramos referências à estimulação de pontos auriculares em textos ou tratados de medicina das dinastias: Iuan ( 元朝, yuán chäo entre 1271 – 1368) com indicação para epilepsia infantil; Tsin (400 d.C.); Tang (táng) entre  618 – 907 inclusive com aplicação de substancias irritantes ou causticas sobre a orelha; Sung (900 d.C.); e Ming ( míng) entre 1368 e 1644. Refere também à utilização de moxibustão ( Kyū - em japonês) ou mogusa (モグサ) nos pontos auriculares pelos japoneses e em outras regiões do Oriente (Egito, Índia (medicina Ayurvédica), Sri Lanka, Turquia). 

Para Wirz-Ridolfi o primeiro mapa auricular foi publicado em 1888 por Zhenjun Zhang em seu livro Essential Techniques for Massage (Lizheng Anmo Yaosu) Este mapa era um desenho da face posterior da orelha mostrando áreas dos cinco órgãos Zang : Coração; Fígado; Baço; Rim; e Pulmão.

Meditação, audição na cultura chinesa

Na década dos anos trinta, o psiquiatra e psicoterapeuta suíço que fundou a psicologia analítica, a partir da psicanálise, Carl Gustav Jung (1875-1961) e publicou diversos artigos e livros sobre a sabedoria oriental, analisou um texto chinês esotérico, do século XVIII “O Segredo da Flor de Ouro”, que reúne instruções budistas e taoístas sobre meditação. Na análise desse livro traduzido Richard Wilhelm, (1873-1930) observa que chineses (representados por essa tradição), distinguem “a luz do olho” da “luz do ouvido” como focos de excitação para vencer os equívocos da distração e das fantasias que ofuscam a clareza ou a compreensão.

Observa que tais focos de estimulação/são uma mesma “luz”, ou característica da consciência humana, apesar dos dois nomes manifestam-se como imagens ou uma palavra sem som, que se ouve em silêncio, enquanto as imagens se assemelham as do sonho e imaginação. Estende ainda esta interpretação a outros aspectos da concepção chinesa dos aspectos Yin, Yang na energia vital e sua analogia com os aspectos Po e Hun do espírito humano equivalente ao que ele denominou anima e animus. Anima ou princípio feminino (Yin, na concepção chinesa) preso à terra e aos processos corporais e plexos nervosos enquanto o Animus (princípio masculino) corresponderia ao Hun (Yang) associado à visão e sistema cerebral a alma luminosa que se desvanece no ar e o Po a alma sombra que se dissolve na terra depois do corpo morto. (Jung, O Segredo da Flor de Ouro, p.94)      

Há ainda na tradição oriental, diversas técnicas de meditação e transe induzidos pela música ou auxiliados pela música, contudo deve-se observar que a audição apesar de neurobiologicamente não estar dissociada do pavilhão externo da orelha, é uma propriedade do ouvido médio.

Como se sabe o ouvido é um órgão multifacetado que conecta o sistema nervoso central à parte externa da cabeça e do pescoço. Essa estrutura como um todo pode ser considerada como composta por três órgãos separados, que atuam em um coletivo para coordenar certas funções, como audição, equilíbrio e movimentos da cabeça e/ou das orelhas em muitos animais. Agressões microbianas ou traumáticas podem afetar qualquer uma das suas funções apesar das suas evidentes e/ou ainda desconhecidas interconexões.

A conexão neurobiológica mais evidente do pavilhão auricular ou orelha são as conexões associadas ao controle da cabeça e dada a importância, da comunicação sonora (que deu origem à nossa linguagem), para localização dos sons e, especialmente os “gritos” ou sinais de alarme e perigo associados às reações de fuga e luta e funções do sistema nervoso autônomo.

O pavilhão da orelha e conexões autonômicas

O ouvido externo é constituído por uma porção laminar expandida - o pavilhão da orelha, e pelo meato acústico externo. Sua principal função é captar as vibrações do ar, pelas quais os sons são produzidos e conduzi-las até a cavidade timpânica no ouvido médio (Gray). Ao contrário de muitos mamíferos a orelha externa do homem é relativamente pequena, rasa e praticamente imóvel - com raras exceções de indivíduos que voluntariamente realizam alguns movimentos rudimentares para cima, adiante ou atrás (Testut; Latarjet). A maneira como localizamos os sons depende basicamente das ligeiras diferenças de tempo na chegada do estímulo sonoro a cada um dos ouvidos, cooperamos ativamente com esse processo nervo-sistemático, voltando a cabeça e avaliando o efeito desse movimento por retroalimentação.

Sabe-se que a compreensão do funcionamento de um órgão não pode separar-se facilmente da compreensão de seu objetivo biológico. O que também pode ser dito de um conjunto de nervos de qualquer órgão ou região do corpo. Ao se analisar, portanto a origem, função e interconexões dos nervos do ouvido externo, como no caso, temos que situar sua função de captar sons dentro do conjunto orgânico que compõe o aparelho auditivo, incluindo os sistemas cocleares de identificar vibrações para alimentar as informações que coordenam os reflexos posturais.

Sem pretender discutir etapas evolutivas ou variantes de ecolocação dos squalos, répteis, quirópteros e cetáceos não é por acaso que o grupo de nervos conectados na orelha externa humana são também responsáveis por equilíbrio postural, movimentos direcionais da cabeça, mímica facial, movimentos da língua e de regulação de órgãos internos via sistema nervosos autônomo.

A existência de mecanismos biológicos que envolvem as respostas de fuga - luta, quase como uma cadeia de reflexos eliciada a partir de "gritos de alarme" em inúmeras espécies de animais (Eibl - Eibesfeldt) A explicação de tal rede de conexão nervosa deve considerar a preparação do organismo em tais pautas de comportamento que tem sido classificados como apetitivos (busca) e consumatórios de defesa ou ergotrópicos e de repouso e conservação de energia ou trofotrópicos (Engel), envolvendo ainda mecanismos de regulação das funções viscerais e metabólicas em concordância com a estimulação que traduz as contingências ambientais incluindo os gatilhos biológicos do clima e estações do ano.

Entre as pautas de comportamento atribuídas ao sistema parassimpático integrado ao sistema trofotrópicos estão em diferentes espécies comportamento relacionados a criação de filhotes, comportamento cooperativo de sobrevivência compartilhada, transmissão da cultura (ou memes da protocultura) estão comportamentos apetitivos e consumatórios de prazer, sedução, êxtase formação de par e vínculo social. A resposta de medo é modificada na escala evolutiva a partir da inibição de resposta de imobilização réptil para desenvolver o mecanismo de fuga - luta ou inibição de comportamentos por vínculos de identidade grupal e hierárquicos típicos dos humanos como o amor. (Porges)

Os mecanismos de controle de nervo vago por associação com os pares cranianos responsáveis por nervos faciais de mímica e vocalizações (social engagement) é exclusivo dos plexos mielinizados dos mamíferos. (Porges)

A intervenção sobre tônus parassimpático tem sido obtida par fins terapêuticos através de aparelhos de biofeedback, condicionadores de ondas cerebral, de eletro-sono e de auto hipnose com estímulos luminosos - dream machine. (Ter Meulen et al; Blase et al) Aparelhos de estimulação elétrica do nervo vago (no ramo cardíaco cervical superior) semelhantes a próteses neuro-cibernéticas para auto-controle de convulsão tem sido indicada para depressão. Cirurgia para corte do nervo vago ao nível do estômago (vagotomia super-seletiva) ainda são indicadas para alguns casos de úlcera duodenal crônica intratável (Wippel). Cirurgias de inibição cirúrgica ou corte seletivo de nervos do sistema simpático também são indicadas para alivio dos sintomas de hiperidrose congênita.

Naturalmente que análise neurobiológica da importância do padrão de regulação autonômica na evolução das espécies não se esgota nas constatações da neuroetologia, e estudo das aferências e eferencias do conjunto de nervos sensoriais e motores) envolvidos com o sistema nervoso central. No mínimo estas conexões com o pavilhão auricular ainda precisam ser melhor estudadas do ponto de vista da neuroanatomia e fisiologia.

A saber, conexões do ramo auricular do nervo vago, e anastomoses em nível cervical com gânglio jugular ou superior do vago e conexões com o sistema nervoso simpático: gânglio cervical superior (C1 - C4); nervo occipital menor (C2) e Nervo auricular magno (C2 - C3) ambos com conexão com gânglio simpático cervical superior e anastomoses com N. vago, acessório, hipoglosso e frênico.

A auriculoacupuntura e auriculoterapia sem dúvida trouxeram nova compreensão à moderna neurociência por sua notável exploração das possibilidades clínicas da estimulação clínica do pavilhão auricular tanto numa perspectiva metodológica dos estudos dos reflexos como da etnomedicina e história da ciência.  

Esboço de hipótese

Sabe-se que não cabe no escopo de uma monografia a elaboração e teste de hipóteses, contudo a apresentação desse esboço hipótese ou problemas a investigar, nos foi útil na orientação tanto da elaboração inicial e agora, desta presente revisão. Assim sendo consideramos:

O sistema nervoso autônomo possui distintas conexões anatômicas com diversas regiões o ouvido externo que podem ser utilizadas como pontos de estimulação para tratamento de um amplo espectro de patologias

Essa hipótese pode ser evidenciada:

1. através da metodologia clínica e experimentações conduzidas pelos princípios da acupuntura explorando as possibilidades terapêuticas por intervenções com sucesso na regulação orgânica, sobre as quais já se possui razoável registro e número de publicações sobre auriculoterapia e auriculoacupuntura.    

2. através de observações e análises conduzidas a partir de uma perspectiva etnográfica e histórica da auriculoacupuntura ou acupuntura auricular que reforçam a explicação da proposição anterior e apontam novas direções de pesquisa orientada pelos fundamentos da medicina tradicional chinesa

(1) Auriculoterapia/ auriculoacupuntura

 Apesar da diferença entre as proposições teórico clínicas da auriculoacupuntura e auriculoterapia, são maiores as suas semelhanças. A auriculoterapia ou aurículo medicina integra a concepção de reflexologia e reflexoterapia, com a brilhante proposição de Paul F. M. Nogier (1908-1996), também conhecida como “escola francesa”, de auriculoterapia, contudo não se pode negar a origem e influência da própria acupuntura auricular, integrante como vimos da medicina chinesa, de origem da China antiga com ampla difusão, inclusive na Europa antiga.

No campo da reflexoterapia um estímulo em um conjunto de pontos pode ser considerado um programa operando sobre a tela de um ordenador (o pavilhão da orelha) nos quais vêm se inscrever as mesmas formações patológicas (os pontos correspondentes aos órgãos doentes) enquanto pontos de projeção (Kovacs, p.180). A tradição chinesa nos ensina que pontos de acupuntura são as regiões de acesso a intervenções no “Qi” ou “Xue” dos sistemas orgânicos como suas características Zang Fu de organização fisiológica, os pontos auriculares não fogem à esta regra, inclusive como já referidos nos antigos textos chineses (Machado; Wirz-Ridolfi).

Segundo Machado (anotações e textos de aula) a evidenciação dos pontos de acupuntura (pontos ativos) da pele constitui não somente a confirmação das observações milenares, mas também nos revela particularidades funcionais ainda desconhecidas sobre o nosso envelope cutâneo, com implicações importantes na economia energética e informática (ou cibernética) no organismo vivo.

A possibilidade de intervenção no campo termo-eletromagnético do corpo humano associado a um segmento específico tem sido a proposição das diversas formas de reflexoterapia, assim lidamos com o potencial das conexões nervosas e vasculares que possui o pavilhão auricular. Por outro lado, uma possibilidade de intervenção direta nas conexões do tronco cerebral também vem sendo tentada, via estimulação elétrica sobretudo sobre o nervo vago e bioquímica para controle do apetite, da febre, da agressividade e tratamento da ansiedade nos distúrbios mentais.

A reflexoterapia parte do princípio de que algumas regiões do corpo possuem conexões com o sistema nervoso e vascular, como citado acima, e se constituem como zonas e áreas reflexas que supostamente refletem uma imagem do restante do corpo, enquanto um padrão de nervos e vasos que se repetem. Além do pavilhão auricular são, praticamente tradicionais as estimulações dos pés (podoreflexoterapia); nas mãos incluindo as concepções orientais de origem coreana (Korio Soo-Ji-Chim), com a premissa de que tal trabalho nos pés e nas mãos provoca uma alteração física nas áreas supostamente relacionadas de o corpo. (Kunz; Kunz; Lin)

O termo reflexo, possui uma longa história de aplicações na história da ciência, entre estas a teoria do "ato reflexo” de René Descartes, [1596-1650] (Murta; Falabretti). Este conceito possui ampla aplicação no exame neurológico e intervenções terapêuticas, a exemplo da fisioterapia pediátrica (Grave; Sartori) e psicologia, contudo não deve ser confundido com os diversos empregos que o termo possui na atualidade como se fosse uma disciplina científica independente.

Observe-se que a utilização do termo "reflexo" possui vários significados e diferentes usos na história da medicina, além da clássica e conhecida reflexologia pavloviana ou de origem russa. Ivan Pavlov (1849-1936), recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1904, sendo notabilizado pela teoria do reflexo condicionado e por ter evidenciado o padrão básico na regulação reflexa da atividade dos órgãos digestivos. (Nobel Prize Outreach)

Sobretudo para uma melhor compreensão da auriculoterapia e acupuntura auricular é que examinaremos sua história e desenvolvimento a partir de dessas duas perspectivas diferentes o Sistema chinês de Acupuntura Auricular e o Sistema europeu de Acupuntura Auricular, que posteriormente evoluiu para Auriculoterapia e Medicina Auricular.

Conforme proposição de Raspa e Belasco Jr. E outros autores podemos identificar dois períodos em sua história:

1. Acupuntura Auricular antiga, referente ao período anterior ao século XX e até os anos 50.

2. Acupuntura Auricular Moderna referente ao tempo desde quando Paul Nogier redescobriu e aperfeiçoou o método de cura pela aurícula, passando pelo desenvolvimento dos mapas chineses com a incorporação do homúnculo invertido no pavilhão auricular publicado em 1958: a revista de Medicina Tradicional de Shangai

Destaca as contribuições da Dra. Huang.

Em 1960, pesquisadores de Nanking concluíram o estudo que verificou a exatidão clínica do homúnculo auricular de Nogier em 2 mil pacientes clínicos.

1972: a China apresenta o mapa estandardizado dos pontos auriculares. Devido à grande diversidade de trabalhos publicados por vários centros de estudos e atendimentos em Auriculoterapia, havia surgido algumas diferenças entre os mapas que eram publicados na época. Por esse motivo, teve a necessidade de se unifcar a nomenclatura e a localização dos pontos de Auriculoterapia chinesa.

1990 - A OMS (organização mundial da saúde) reconhece a Auriculoterapia.

(2) Auriculoterapia origens

Apesar da citação quase consensual de que provavelmente a primeira referência europeia à auriculoterapia venha do médico português Zacatus Lusitanus, em 1637, para tratamento da ciática, não se pode ignorar a representação iconográfica do pintor holandês Hieronymus Bosch (1450-1516), entre 1490 e 1510. 

Dulcetti Jr, ressalta ainda que no citado tríptico do mestre holandês Hieronymus Bosch, conhecido como como “O Jardim das Delícias Terrenas”, em exposição no Museu do Prado, encontra-se um símbolo que em detalhes constitui-se de duas aurículas unidas pelas faces posteriores, tendo entre ambas a lâmina de uma faca. Observando ainda que na região superior da concha inferior da orelha um “diabrete” enceta uma lança no ponto utilizado na terapia auricular para disfunções da libido, enquanto que acima, no centro da fossa triangular se vê outra lança penetrada no ponto já conhecido e usado para cura de ciática, desde essa época (?). 


Na composição tríptica, esse ícone fálico se integra a parte que representa o inferno, uma faca que do ponto de vista psicanalítico pode representar a castração ou os genitais masculinos, em seu aspecto agressivo e penetrante. Não se pode ignorar, também que a referência ao ponto da aurícula estimulado pelo homúnculo encapuzado (um diabrete) era possivelmente utilizado para o tratamento de disfunções da libido na medicina hipocrática. Hipócrates, o pai da medicina grega, relatou que os médicos faziam pequenas aberturas nas veias situadas atrás da orelha para facilitar a ejaculação e reduzir os problemas de impotência.

Comentando a importância de Hieronymus Bosch e as questões relativas à agressividade/sexualidade nesse quadro, Jacques Lacan nos legou o seguinte texto

.... Esses fenômenos mentais a que chamamos imagens, termo cujo valor expressivo é confirmado por todas as acepções semânticas, após os perpétuos fracassos registrados pela psicologia de tradição clássica na tarefa de dar conta deles, a psicanálise foi a primeira a se revelar à altura da realidade concreta que eles representam. É que ela partiu da função formadora das imagens no sujeito e revelou que, se as imagens atuais determinam tais ou quais inflexões individuais das tendências, é na condição de variações das matrizes que constituem, para os próprios" instintos", esses outros específicos que fazemos corresponder à antiga denominação de imago.

 Entre estes últimos, há os que representam os vetores eletivos das intenções agressivas, que elas dotam de uma eficácia que podemos chamar de mágica. São as imagens de castração, [éviration, melhor traduzido por eviração] emasculação, mutilação, desmembramento, desagregação, eventração, devoração, explosão do corpo, em suma, as imagos que agrupei pessoalmente sob a rubrica, que de fato parece estrutural, de imagos do corpo despedaçado. ... 

.... Há que folhear um álbum que reproduza o conjunto e os detalhes da obra de Hieronymus Bosch, para ali reconhecer o atlas de todas as imagens agressivas que atormentam os homens. A prevalência dentre elas, descoberta pela análise, das imagens de uma autoscopia primitiva dos órgãos orais e derivados da cloaca gerou, ali, formas de demônios. Não faltam nem mesmo a ogiva das angustiae do nascimento, que encontramos na porta dos precipícios para onde eles empurram os condenados, nem a estrutura narcísica, que podemos evocar nas esferas de vidro em que se acham aprisionados os parceiros exaustos do jardim das delícias. ... (Lacan p.107-108)

Observe-se que além das associações relacionadas à agressividade evidenciadas por Lacan na interpretação dos quadros de Bosch, não podemos esquecer (na perspectiva do nosso esboço de hipótese) que tanto a agressividade como a sexualidade possuem intrínseca relação com o sistema nervoso autônomo e que para muitos indivíduos o pavilhão auricular é uma importante zona erógena, com suas caraterísticas específicas simbólicas e nervosas (ver Freud, 1905 e Winkelmann, 1959)

Um outro interessante aspecto, ainda a destacar nas contribuições da psicanálise e semelhanças metodológicas de análise simbólica são as avaliações das representações da medicina tradicional chinesa (leia-se dos sistemas etnomédicos) quanto a representação dos desejos (enquanto imagens) indefectivelmente ligados aos órgãos do corpo, associados às suas demandas de necessidade biológicas é a seleção de um grupo de cinco emoções (surpresa/alegria; medo; tristeza/melancolia; ira; preocupação) associadas, aos cinco elementos da natureza, estações do ano, e sistemas orgânicos zàng /fǔ 腑, segundo a concepção chinesa (coração/intestino delgado; rim/ bexiga; pulmão/ intestino grosso; fígado/ vesícula biliar; baço-pâncreas/ estômago).

O mesmo poderia ser dito quanto a concepção indiana de “chakra” e as funções orgânicas, aproximadamente descritas como: reprodutivas, (Swadhistana  Chakra) excretoras (Muladhara Chakra), socioafetivas (Anahata Chakra) e de comunicação (Visuddha Chakra) etc. mas esse tema merece um análise à parte.   

Observe-se também que tanto a psicanálise com a acupuntura, e por extensão a aurículo acupuntura, fundamentam seus recursos de aperfeiçoamento técnico-científico no que pode ser denominado como metodologia clínico-qualitativa (Turato), ou seja, ambas as técnicas se valem da análise da história clínica (antecedentes, início, manifestação, intervenção, resultados) mais recentemente potencializada pela metodologia estatística e metodologias qualitativas.

Sendo que a psicanálise recorre a uma etnometodologia de dados genético-biográficos e a acupuntura recorre à etnologia clássica ou identificação do contexto etno-histórico da medicina tradicional chinesa.  Embora ambas tenham em seu horizonte ou marco teórico a neurociência, a linguística e a antropologia cultural.

A via de mão dupla

Entre as técnicas que estimulam o sistema nervoso autônomo, como dito anteriormente, não se pode deixar de incluir a aurículo acupuntura.

A possibilidade de comunicação anatômica da estrutura nervosa da orelha externa, tradicionalmente estimulada na auriculoacupuntura, com os centros vitais do tronco cerebral, onde se destacam as conexões com o sistema nervoso autônomo, contudo ainda é hipótese, apesar das evidencias clínicas vindas tanto da auriculoterapia como acupuntura auricular.

No caso da auriculoterapia, de modo distinto da tradição chinesa, há considerável avanço das correlações com a neurobiologia, iniciada com a proposta de Paul Nogier (1908-1996) em 1951, pesquisando o reflexo aurículo cardíaco (RAC), inaugurando auriculoterapia francesa ou medicina auricular, identificando a correlação (mnemônica ou neuroembriológica) da imagem do feto na posição invertida intra-útero e o pavilhão da orelha numa verdadeira cartografia orgânica.

Numa perspectiva histórica, o desenvolvimento dos estudos de Paul Nogier e fundação da escola Nogier, de certa forma influenciaram o desenvolvimento da auriculoterapia como da própria acupuntura.

Em 1956 o Dr. Paul Nogier apresentou o cartograma auricular resultante (já incluindo a relação com a representação do feto invertido) no Primeiro Congresso da Sociedade Mediterrânea de Acupuntura (Premier Congrès de la Société Mediterranéenne d'Acupuncture), Marselha, França, 1956, onde Gerhard Bachmann, MD, editor do Jornal Alemão de Acupuntura (Deutsche Zeitschrift für Akupunktur ) também participou e publicou a apresentação do Dr. Paul Nogier, nesse periódico de ampla circulação, inclusive (e principalmente) na China intitulado (em francês) “A aurícula: pontos reflexos e áreas” - Bull Société d'Acupunct. 1956:20 (Wirz-Ridolfi)

Tal publicação, como dizemos hoje, teve considerável impacto, influenciando pesquisadores do Japão à China (inicialmente). Entre essas publicações resultantes pode-se destacar a publicação da Equipe de Pesquisa do Exército de Nanjing iniciou um ensaio clínico com mais de 2.000 pacientes e documentou a eficácia do método Nogier. Sendo esta foi a origem do Gráfico de Acupuntura da Orelha Chinesa que foi e é reconhecido e aprovado pela Organização Mundial da Saúde - OMS. (Wirz-Ridolfi)

Em 1987 a OMS, adotou a padronização e nomenclatura de 43 pontos da orelha em uma reunião em Seul seguida por outra reunião em Genebra (1989) e em 1990, em Lyon. O padrão até hoje utilizado inclusive como declarado em entrevista pelo Raphaël Nogier – (Lyon, 01/12/2014) (ver site: Escola Nogier)

Raphaël Nogier, é um médico, filho de Paul Nogier, pesquisador e escritor, exerce a medicina em Lyon (França). Há mais de 30 anos trabalhando com auriculoterapia, método de tratamento desenvolvido pelo Dr. Paul Nogier, denominado por ele de auriculoterapia clínica.

Essa metodologia segundo ele, e reforçado pela representante da Escola Nogier no Brasil a fisioterapeuta Dra. Larissa A. Bachir Polloni que inclusive desenvolve um moderno canal de divulgação desta tecnologia no youtube, por diversas vezes consultado para esta revisão. Segundo essa escola a aurículo terapia clínica fundamenta-se, portanto em três pilares:

1 Diagnóstico – detecção de pontos

2 Sinal vascular (RAC – Reflexo Auricular Cardíaco ?)

3 Frequências de estimulação (frequência de Nogier) 8 áreas

O diagnóstico por detecção de pontos configura-se pela identificação de dois tipos de pontos: (1) Pontos reflexos, pontos reflexos detectáveis por pressão/ palpação; (2) pontos equivalentes a complexos neuro-vasculares identificados por detecção elétrica, no Brasil, desde 2017, está certificado e vem sendo utilizado EL30 Finder

Assim sendo, verifica-se que a orelha apresenta pontos que “aparecem” numa condição disfuncional, ou seja, tornam detectáveis ​​em caso de dor em distintas regiões do corpo ou perturbação patológica funcional, através da pesquisa (de dor no pavilhão auricular) por pressão/ palpação ou utilizando detectores elétricos de pontos. Hoje sabemos que aparecem, na superfície da orelha, áreas com menor resistência elétrica cutânea, quando há uma presença de distúrbios funcionais, e que essas áreas têm características embriológicas distintas e respondem a estimulação com frequências elétricas (Hertz) também distintas (conhecidas frequência de Nogier) situadas entre padrões entre 5 e 160 hz .Cada ponto da orelha corresponde à uma parte do corpo específica, ou seja, existe um mapeamento real, baseado numa somatotopia, como referido (Escola Raphaël Nogier – site e canal)

Em tese, como descrito por representantes dessa escola a auriculoterapia francesa, ou auriculoterapia clínica, tem seus resultados, tal como afirmam os integrantes dessa escola, por estudar e conhecer... adequadamente a fisiologia do Sistema Nervoso Central e sabendo executar estes dois métodos de detecção: a detecção de pontos dolorosos e a detecção de pontos de menor resistência eléctrica cutânea, donde é possível em primeiro lugar efetuar uma análise precisa da orelha para o diagnóstico, e, posteriormente escolher adequadamente os estímulos corretos para o tratamento, estimulando os pontos da orelha seja através de agulhas, cauterização, massagem ou ondas eletromagnética, (Escola Raphaël Nogier – site e canal)

Conexão autonômica

1.Perspectiva anatômica

 As conexões do X par craniano ou Nervo Vago com o pavilhão auricular se realiza pelo ramo auricular do nervo vago, e anastomoses em nível cervical com gânglio jugular ou superior do vago. Sabemos também que o Nervo Vago faz conexões com a medula oblonga (sulco entre a oliva e o pedúnculo cerebelar); Núcleo solitário; Núcleo da asa cinérea (N. dorsal); Núcleo ambíguo.

Estimulações com eletrodos no hipotálamo conduzidas por Hess W. R. (1954) demostraram que o diencéfalo, particularmente o hipotálamo, controla e integra a função autonômica. Ele demonstrou isso eletricamente, estimulando áreas específicas e pequenas do hipotálamo. Dependendo da área estimulada, a frequência cardíaca, a pressão arterial e a frequência respiratória do animal aumentavam, como no medo (uma reação simpática). A estimulação de outro local produziu uma diminuição na frequência cardíaca, pressão arterial e respiração e um aumento na motilidade gastrointestinal - uma reação parassimpática. (Shampo et al.)

O pavilhão auricular além do Nervo Vago possui conexões com o sistema nervoso simpático - Gânglio cervical superior (C1 - C4), Nervo occipital menor (C2) e Nervo auricular magno (C2 - C3) ambos com conexão com o gânglio simpático cervical superior e ainda anastomoses com nervo  acessório, hipoglosso e frênico além do nervo vago, como referido.

2. A perspectiva clínica

Uma leitura dos pontos de acupuntura relacionados a estimulação para sedação ou tonificação dos pontos relacionados ao sistema nervoso autônomo e funções orgânicas controladas por estes ainda está para ser realizada.  As dificuldades de trabalhar-se diretamente com medidas hipotalâmica podem ser contornadas por avaliação clínica para redução de sinais e sintomas de controle autonômico como taquicardia, níveis de tensão arterial, estase gástrica, constipação, gastroparesia, diarreia noturna, retenção ou incontinência urinária, impotência sexual incluindo-se naturalmente tristeza, medo e descontrole de emoções (sintais e sintomas, como se sabe intermediados por alterações do sistema nervoso autônomo).

É possível inclusive encontrar-se correlação entre diagnósticos feitos por padrões registrados de variação em níveis de energia elétrica detectada pelo toposcópio (impedância elétrica - condutividade elétrica da pele) na superfície do pavilhão auditivo e realizados através dos métodos de íris diagnóstico e outros sistemas de reflexoterapia segmentar (mãos, pés, etc.), considerando-se a hipótese que ambos os sistemas dependem dos níveis de estimulação e regulação dos analisadores do sistema autonômico.

3. A perspectiva experimental e clínica

Talvez seja a auriculoterapia francesa quem melhor conduziu estudos que evidencies a perspectiva experimental e clínica a partir da hipótese das conexões do sistema nervoso e pavilhão auricular.

Segundo Paul Nogier o lóbulo da orelha prolonga a cauda da hélice, estas duas regiões auriculares têm origem ectodérmica e são controlados pelas partes do pavilhão que não são inervadas nem pelo pneumogástrico nem pelo trigêmeo, são carnudas e não apresentam nenhuma formação cartilaginosa interna.

Na perspectiva clínica, que inclusive deu origem a representação do feto invertido, o lóbulo e a cauda da hélice representavam, por si sós, parte do sistema nervoso central e periférico juntamente com a região do antítrago associada à funções da região do tronco cerebral.

A perspectiva clínica da auriculoacupuntura

Uma das maiores evidências clínicas das conexões entre a estimulação do pavilhão auricular e intervenções no SNA são as indicações e possibilidades terapêuticas das chamadas disfunções autonômicas ou doenças psicossomáticas diagnosticadas e tratadas a partir dos mapas adotadas e incorporadas à medicina tradicional chinesa. Como por exemplo o que aqui ilustra, com 78 pontos, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas sobre Meridianos e Acupuntura Internacional de Shangai, China ou os selecionados no “Livro dos Quatro Institutos”

O “Livro dos Quatro Institutos” refere-se à utilização da acupuntura na orelha para prevenção e tratamento de doenças e para anestesia com acupuntura. Na tabela de localização e indicação dos pontos auriculares utilizados como mais frequência inclui diversos pontos indicados para doenças neurológicas, nervosas ou psicossomáticas a exemplo de: Constipação, diarreia; urgência de micção e retenção da urina; Impotência; Enurese; Dores (efeito analgésico), Cefaleia; Insônia; Asma; Disfagia; Náusea; Vômito; Gastralgia; Paralisia facial; Zumbido no ouvido; Lombalgia; Hipertensão; Hipotensão. Observe-se a importância da regulação autonômica para cada uma destas disfunções

Importante, porém, é atentarmos que apesar da semelhança de utilização de pontos e zonas específicas do pavilhão auditivo é a diferença na interpretação dos resultados obtidos ou na ótica das hipóteses neurofisiológicas ocidentais, exploradas na auriculoterapia francesa, ou na ótica da medicina tradicional chinesa (MTC).

Uma hipótese e tentativa de interpretação considerando ambas as perspectivas (chinesa e francesa) foi realizada por Frank R. Bahr na década de 90 identificando simultaneamente os pontos relacionados aos órgãos na perspectiva ocidental e um possível trajeto dos meridianos entre eles (Strittmatter), contudo há poucas publicações sobre seus resultados clínicos.

Machado, destaca que a MTC, moldada por sua própria “filosofia” ou sistema de crenças da cultura chinesa, e limitada pelas circunstâncias históricas das ciências naturais, difere em muito da Medicina Moderna Ocidental, sobretudo na sua concepção da estrutura do corpo humano. O sistema etnomédico implícito na cultura chinesa desenvolveu uma forma própria de descrição e intervenções do corpo, não apenas fundamentado na anatomia e sim em resultados obtidos por seus métodos terapêuticos próprios.     

Entre os métodos terapêuticos empregados da MTC, como se sabe, estão a fitoterapia e acupuntura. Como foi visto as técnicas da acupuntura nunca excluíram intervenções sobre o pavilhão auricular e enquanto uma racionalidade médica, apesar de manter alguns “marcos teóricos” desenvolvidos ao longo de sua história milenar, a exemplo das concepções de yin/yang e cinco elementos, não é uma concepção estática, vem evoluindo continuamente e pode-se afirmar que que vem incorporando as contribuições da auriculoterapia francesa.

Para Weikang, a acupuntura tem origens na era paleolítica (anterior a 10.000 a.C.) são clássicas as referências as lascas de pedra para punção «bian shi» e as posteriores agulhas de pedra «zhen shi», de osso, lascas de bambu e cerâmica, antes das presumidas agulhas de metal das dinastias Shang e Chou (séculos XVI a VIII a.C. quando se iniciou a metalurgia), até as primeiras nove agulhas encontradas no tumulo Liu Sheng, da dinastia Han ocidental, do século II a.C.

Colin A. Ronan, em sua "História ilustrada da ciência da Universidade de Cambridge", assinala o período histórico de surgimento/consolidação de algumas das ideias básicas da ciência chinesa que eventualmente levaram ao desenvolvimento da técnica da acupuntura, como a concepção de Yin / Yang (陰陽) no princípio do século IV a.C. e a teoria dos Cinco elementos Wu Xing (五行), entre 370 e 250 a.C. por Tsou Yen (Zou Yan), o membro mais destacado da Academia Chi-Hsia (Zhi-Xia) do príncipe Hsuan (Xuan). Contudo foge do escopo desse texto monográfico a longa história de conquistas médicas desse sistema etnomédico chinês (a MTC), com incontestável evolução e ampla difusão mundial, até a incorporação em muitos sistemas públicos e atenção médica e vir ser reconhecida como Patrimônio Cultural Intangível da Humanidade pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como aconteceu em 2010.       

Para concluir

Segundo Machado (o.c.) acupunturista e biofísico a melhor estratégia, que inclusive vem aperfeiçoando nos seus, quase, meio século de prática e pesquisa é a utilização de aparelho eletroestimulador e localizador (tipo os desenvolvidos pela Escola Nogier) com circuito toposcópio para eletro diagnóstico dos pontos sensíveis ou de frequência específica. Alterações na sensibilidade a dor e/ou frequências discrepantes ao esperado para cada região são os elementos do diagnóstico. A estimulação imediata com agulhas e posteriormente por sementes reforçam o critério diagnostico estabelecido pela anamnese e exame segundo as regras chinesas do yin/yang e cinco movimentos, identificando as distintas síndromes e seu tratamento por estimulação dos meridianos identificados no que alguns denominam acupuntura sistêmica nesse caso complementado pela acupuntura auricular.

Estudos posteriores podem e deverão ser realizados tanto explorando as possibilidades de experimentação e análise anatômico fisiológica com os recursos da moderna neurociência (que abrange a neurobiologia e a neuropsicologia), como através da metodologia clínica, que deverá incorporar, o sistema de revisões sistemáticas a exemplo dos trabalhos já publicados pela fundação Cochrane, ou revisão das revisões, respeitando o limite das dificuldades de interpretação antropológica dos sistemas etnomédicos e concepções espiritualistas, mítico-religiosas.

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Notas

Algumas citações e estudos foram contribuições do presente autor aos verbetes sobre o tema na Wikipédia (pt.) sobreviventes à guerra que alguns editores declararam contra o que imaginam ser a pseudociência. 

Originalmente esse texto deveria ser citado como:

Costa, Paulo Pedro P. R. Aurículo acupuntura, sistema nervoso autônomo, sistema nervoso central.  In: Costa, Paulo Pedro P. R. O "mar de dentro" um estudo da concepção de cérebro, mente e espírito no sistema etnomédico chinês. Anexo da monografia de especialização em acupuntura. Orientador: Jurecê Jorge Machado. Clínica Escola Científica de Acupuntura - CLIMA / ABA Associação Brasileira de Acupuntura – Seção da Bahia. Salvador, fevereiro de 2003.


Mapa de acupuntura auricular – Auriculoterapia /
Instituto Shangai foto: CostaPPPR
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:EarModelDSC_7928.jpg

 

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 VER TAMBÉM

 O Sistema Etnomédico Chinês
http://etnomedicina.blogspot.com/2009/09/o-sistema-etnomedico-chines.html

Cérebro o mar de dentro 髓海
http://etnomedicina.blogspot.com/2014/03/cerebro-o-mar-de-dentro.html


Disponível em PDF em:
https://pt.scribd.com/document/558252977/NeurobiologiaAuriculoacupuntura


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