sexta-feira, 28 de outubro de 2011

医生 (Médico)

As práticas médicas, tal como as conhecemos, nos registros etnográficos ou descrições de antropólogos e historiadores, confundem-se com a descrição de técnicas corporais, segundo Mauss, interpretadas ou indicadas para os mais diversos fins (higiene, nutrição, prazer, êxtase, defesa pessoal, etc.). Confundem-se também, do ponto de vista da interpretação de práticas culturais, com os rituais referentes aos fenômenos mágicos – religiosos. Podem ser definidas como uma racionalidade (médica) ou um sistema lógico e teoricamente estruturado, além de um comportamento orientado para obtenção e preservação da saúde através de práticas culturais específicas.

Esse breve escrito se destina a contribuir para o entendimento da especificidade da profissão da acupuntura, 针灸医生, o acupuntor [zhēn jiǔ agulha/moxabustão (acupuntura) yī shēng - médico 医生 ] desde suas origens e/ou em seu contexto original partindo do princípio de que não se pode entender a acupuntura senão no contexto da medicina chinesa. A abordagem etnográfica se caracteriza pela observação e registro dos fatos sociais (Mauss) sejam eles acontecimentos históricos, regras e normas ou técnicas de manufatura de objetos, relativas ao uso do corpo e mesmo o conhecimento e a arte que compreendemos como "medicina", tudo registrado como anotações que compõem o diário de campo dos etnógrafos, com ou sem fotografias, e os relatos (ou textos) de informantes legítimos.

Complexidade chinesa

Uma abordagem etno-historiográfica de qualquer aspecto da vida chinesa se depara diante da complexidade de lidar com a mais antiga das grandes nações. As dimensões de sua tradição são mais de 5.000 anos de historia no terceiro maior país da terra em extensão territorial (9,56 milhões de Km2) e a mais povoada nação do mundo (1.074.060.000 habitantes - em 1984 - excluindo Formosa).

O universo lingüístico da Ásia Oriental, segundo Gernet, incluiu 5 grandes grupos: (1) As línguas Altaicas onde se inclui o grupo mongol; (2) As línguas do Nordeste asiático (Japonês e Coreano); (3) As línguas Sino – Tibetanas onde se destacam os grupos Tibetanos – Birmaneses, Chineses e os grupos da Thai e Miao-Yao; (4) As línguas Austro – asiáticas e (5) línguas Malaio-polinésias.

Identifica-se hoje na China 56 Etnias, 55 destas (com 60 milhões de pessoas) reconhecidas oficialmente com seus costumes e estilo de vida cercadas pela população majoritária que se considera chinesa e se auto denomina Han (originária de um grupo do norte que dominou a China por 400 anos), embora mesclados com inúmeros sub-grupos e falando centenas de dialetos como: cantonês, wu e mandarin ou puton-ghua (a língua da burocracia estatal) utilizam a mesma escrita, o que é considerado um poderoso fator da unidade cultural e política, introduzido oficialmente durante o breve governo da dinastia Qin por volta de 200 aC..

Etnomedicina

É muito conhecido e divulgado que um dos primeiros livros de medicina corresponde ao registro das conversas entre Huang Di e seus ministros, descrito também como, médico e mestre Taoísta, Qibo de onde surgiu a obra conhecida atualmente como Nei Jing (内經) (pinyin: Nèijīng) - " O Livro do Imperador Amarelo.

Dados arqueológicos e relatos míticos lendas associam o Imperador Amarelo, Huangdi e seu legado civilizador à etnia (e dinastia) Han, (206 a.C. —220) mas há muitas versões sobre a origem desses textos ideográficos. Alguns estudiosos da história da China acreditam que o Nei Jing tenha sido realmente escrito por um grupo de médicos do Período dos Reinos Combatentes, (dinastia Chou orientais, 721-256 Ac. - Horn; Sussman), época associada à conquista do ferro e dos grandes clássicos da cultura chinesa que originaram o Taoismo (a partir do Tao Te King de Lao Tse por volta de 500 a.C.) e Confucionismo (Confúcio, 551 - 479 a.C.). Os sábios da corte teriam feito uma síntese da tradição oral médica chinesa daquela época, naturalmente face aos recursos da escrita artesanal e instabilidade política da época, sofreu diferentes adaptações e versões.

Para Beau, o controle do ensino médico na corte e criação dos primeiros hospitais datam 160 a C. que corresponde à período dos Estados Combatentes (475-221 a.C.) e somente a partir do ano 624, os estudos médicos foram sancionados por exames, sob autoridade do T’ai-yi-chou (瘳 chōu ? (cura ? fùyuán) - grande serviço médico) que contava na época com 349 funcionários, segundo ele o mais antigo exemplo conhecido de controle do Estado do ensino da medicina. (Beau oc. p....)


[ Frontispício de cópia do manuscrito de Andreas Cleyer's Specimen Medicinae Sinicae, publicado na Alemanha em 1682 - Reproduzido por Needham e Gwwi Djen que observa que o Médico chinês está tomando o pulso do paciente, enquanto o auxiliar está pronto com a caixa de agulhas de acupuntura, moxa e drogas. No primeiro plano vê-se fogão. A imagem ilustra bem a estreita ligação entre pulsologia e acupuntura ]

O médico

O médico cujo ideograma 医生 yī shēng que envolve os significados de ouvir, (conter) instrumento (seta, flecha) em yī 医 e vida, planta crescendo no chão em shēng 生, como vimos, foi uma categoria profissional institucionalmente definida desde a formalização do ensino e prática médica da corte. Contudo, utilizando a conhecida subdivisão das práticas médicas de Kleinman (1980), pode-se distinguir, com o desenvolvimento a própria civilização chinesa, diversas categorias de "médicos" e escolas de medicina, admitindo-se desde o detentor de um saber popular e/ou doméstico, com as variações locais correspondentes à influência das diversas etnias, até o profissional.

Historiadores como Thorwald descrevem os xamãs dotados de poderes secretos que por meio do contato como os deuses afugentavam as doenças enviadas por demônios na era da dinastia Chou (1045–256 a.C.) e comenta que essas práticas se mantiveram por muito mais tempo, pois para a grande massa dos chineses exorcismos e magias constituíam o único recurso que possuíam. Cita com exemplo dessa sobrevivência as anotações de Lun Yü sobre os ensinos de Confúcio destacando um aforismo que diz que: “aquele que não tem persistência jamais se tornará um “médico mago”

Beau, registra que na dinastia dos T’ang (618 - 907) a medicina se dividia em 4 especialidades: os médicos pulsólogos que tratavam da medicina interna e externa, da pediatria e doenças da boca e da garganta; seguidos dos acupuntores; depois dos massagistas que se consagravam também às técnicas respiratórias e da redução de fraturas e os "mestres em sortilégios e tabus" que eram igualmente geomancistas (especialistas em feng shui).


[ Um Médico Itinerante em Tien-Sing.
CHINA ILLUSTRATED
Thomas Allom (1804-1872) ]

A categoria, reconhecida pela existência de uma escola, cânone definido e uma prática profissional, por sua vez inseria-se em diversos contextos sociais, seja de um médico itinerante (ver China Illustrated in 1845), de um profissional estabelecido em uma região ou de um médico do imperador, onde é possível estabelecer distinções ou sub-categorias. São também conhecidos os relatos de textos chineses que distinguem o “médico superior” dos demais, definindo este como o médico sem doentes, ou seja aquele que identifica as doenças por suas causas e atua antes que aconteçam.

A medicina chinesa inicialmente possuía um caráter humanitário e governamental, pois se desenvolveu entre os sábios e nobres e sacerdotes da corte que por sua posição social possuem deveres para com a população, inclusive do controle de epidemias. Paralelamente se desenvolveu a prática de pagamento com honorários diretos ou salários dos contratados por grandes proprietários e o cuidado com os enfermos e pobres em hospitais sobretudo com o avanço do Budismo nas dinastias Han e T’ang.

Um interessante proverbio que retrata esta condição pode ser traduzido como: "se você não pode ser um bom funcionário do governo, seja um bom médico". Segundo Zhen Xueyan  já se acreditou que  Rén ( 仁 benevolência), valor central do confucionismo, é o princípio mais alto da moralidade. A habilidade médica, conhecida como a habilidade de "salvar vidas", foi então reconhecida como uma habilidade ren, pois atendia ao requisito de ren, eliminando a dor das pessoas.


Os historiadores Lyons / Petrucelli identificaram que em registros da dinastia Chou já estava descrita a organização hierárquica dos médicos, eram 9 as especialidades que se ampliaram para 13 no período Mongol. Entre as especialidades não citadas acima por Beau, inclui-se os “médicos” da febres e da imunização contra varíola; os ginecologistas e as parteiras, (uma médica mulher é citada em documentos da dinastia Han) e, a classe inferior dos cirurgiões.

Os referidos autores identificaram ainda cinco categorias: o médico-chefe (que coletava medicamentos, examinava outros médicos e os nomeava); médicos dietólogos (que receitavam as seis classes de alimentos e bebidas); médicos para enfermidades simples (como as dores de cabeça, resfriados, feridas menores, etc.) e médicos de animais. Nas dinastias Chou (1046 — 771 a.C.) e Tang (618 — 907 d.C.) há relatos de registros formais de seus erros e acertos e no séc. VII d.C. era preciso passar por um exame para ser nomeado médico.

O conhecimento médico era considerado um poder secreto que pertencia a cada prático, passados de pai para filho numa relação mestre – discípulo e controlados por associações de profissionais. A primeira instituição destinada à educação médica que se tem registro aconteceu no séc. XI (Dinastia Song, 960 — 1279). Na dinastia Ming (1368 — 1644) cristalizou-se um sistema educativo que permaneceu com poucas mudanças até o ano de 1800, época da fundação da única escola em Pequim. As instituições de ensino da medicina eram destinado às classes elevadas, mas também eram nomeados professores para instruir estudantes de origem humilde.

Naturalmente que ainda há muito a falar das diversas, possibilidades de definição, especialização e contribuições destes profissionais de saúde chineses ao longo de sua história. Serão relevantes estudos sobre o desenvolvimento da alquimia chinesa, da pulsologia e de outras técnicas de diagnóstico que se somaram paulatinamente.

Serão também esclarecedores da forma que possui essa saber tradicional o estudo de momentos específicos da história da China como o combate aos “feiticeiros” (médico – magos) pelo poder imperial e os diversos períodos com aproximações e afastamentos da alquimia chinesa e mesmo da acupuntura à prática hegemônica, bem como a história dos contatos com as contribuições dos gregos, árabes e da medicina européia ou mais recentemente com as conquistas da saúde pública, onde se inclui a incorporação do saber tradicional à moderna medicina, cosmopolita, estatal, com acesso universal, voltada tanto para atenção primária como para reabilitação e intervenções em nível hospitalar.


[ Imagens de cartaz de propaganda governamental 
e da prática da acupuntura por médicos de pés descalços ]


Conheça: Famous Chinese Physicians
http://www.itmonline.org/docs/famous.htm (acesso out. 2016


Bibliografia

Beau, Georges. A Medicina Chinesa. RJ, Ed. Interciencia 1982

Haesbaert, Rogério. China, entre o oriente e o occidente. SP, Ática, 1994

Horn, J.S. Medicina para Milhões. RJ, Ed Civilização Brasileira, 1979

Luz, Madel T. Natural, Racional, Social ; Razão Médica e Racionalidade
Científica Moderna, Rio de Janeiro, Ed. Campus, 1988

Lyons, Albert S.; Pertucelli, Joseph. História da medicina. SP, Manole, 1997

Kleinman, Arthur Concepts and a Model for the comparison of Medical Systems as
Cultural Systems. IN: Currer,C e Stacey,M / Concepts of Health, Illness and Disease. A Comparative Perspective, Leomaington 1986

Mauss, Marcel. As Técnicas do corpo. in: Mauss, M. Sociologia e antropologia. SP, Cosac Naify, 2003

Needham Joseph; GwwiDjen, Lu. Celestial lancets, a history & rationale of acupuncture & moxa. GB, Cabridge Press, 1980

Gernet, Jean. O mundo chinês. (2V). RJ, Lisboa, Cosmos, 1974

Sussman, David J. O que é a acupuntura. SP Record, 1972

Thorwald, Jürgen. Os segredos dos médicos antigos. SP, Melhoramentos, 1990


Zhen Xueyan. Traditional Chinese Medicine and Confucianism, Taoism and Buddhism. Published in Confucius Institute Magazine Number 50. Volume III. May 2017. https://confuciusmag.com/chinese-medicine-confucianism-taoism-buddhism
Aces. Sep. 2019


Wikipédia verbete Huangdi, o Imperador Amarelo c/ contribuições do presente autor.

4 comentários:

Paulo Pedro disse...

Ato médico
LEI Nº 12.842, DE 10 DE JULHO DE 2013.
Dispõe sobre o exercício da Medicina.

No art. 4o São atividades privativas do médico:
I - (VETADO);

MENSAGEM de veto Nº 287, DE 10 DE JULHO DE 2013.
... nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei nº 268, de 2002 (nº 7.703/06 na Câmara dos Deputados), que “Dispõe sobre o exercício da Medicina”.

Incisos I e II do § 4º do art. 4º
I - invasão da epiderme e derme com o uso de produtos químicos ou abrasivos;
II - invasão da pele atingindo o tecido subcutâneo para injeção, sucção, punção, insuflação, drenagem, instilação ou enxertia, com ou sem o uso de agentes químicos ou físicos;”

Razões dos vetos

“Ao caracterizar de maneira ampla e imprecisa o que seriam procedimentos invasivos, os dois dispositivos atribuem privativamente aos profissionais médicos um rol extenso de procedimentos, incluindo alguns que já estão consagrados no Sistema Único de Saúde a partir de uma perspectiva multiprofissional. Em particular, o projeto de lei restringe a execução de punções e drenagens e transforma a prática da acupuntura em privativa dos médicos, restringindo as possibilidades de atenção à saúde e contrariando a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do Sistema Único de Saúde. O Poder Executivo apresentará nova proposta para caracterizar com precisão tais procedimentos.”

Paulo Pedro disse...

Diz o Mestre/; Diz a gente do Sul: "Quem não é constante em seus princípio não daria nem um bom xamã 巫师, nem mesmo um curandeiro 巫医 " Muito justo! "quem não tem a virtude perseverante não escapará ao nefasto 恒" Em tal caso, vale mesmo a pena tentar uma adivinhação?

Confúcio. Diálogos (22: Livro XIII, dos Sábios Reis) tradução Anne Cheng / Alcione S. Ferreira. SP: Ibrasa, 1983 p. 111

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O Mestre 主人的 disse: "As pessoas do Sul tem um ditado: Um homem sem consistência * não daria um bom xamã 巫师 nem um médico 医生. Muito bem dito! Se uma pessoa não demonstra uma virtude consistente, essa pessoa passará talvez vergonha. O Mestre continuou para comentar: "a importância do ditado é simplesmente a de que, em tal caso não há razão alguma para consultar um oráculo"

Confúcio (551-479 aC.). Os Analectos 22: Livro XIII, (tradução D. C. Lau / Caroline Chang). Porto Alegre, RS: L&PM, 2007 p.127, p.94

* cf. 26 Livro VII ...não tenho qualquer esperança de encontrar um homem bom. Eu ficaria contente se encontrasse alguém constante...

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hexagrama 32: Heng Duração (constância)
http://iching.com.br/hexagrama-32-perseveranca/

Paulo Pedro disse...

About ancient doctors - Look

‘Divine Doctors’ of ancient Chinese medicine
https://www.theworldofchinese.com/2018/03/divine-doctors-of-ancient-chinese-medicine/

Hua Tuo
Chinese physician and surgeon
https://www.britannica.com/biography/Hua-Tuo

and now: Chinese Doctors (2021) (Eng Sub)
https://youtu.be/8NwjPlYz_MU



Paulo Pedro disse...

Técnico em acupuntura CBO 3221-05

Aplicam procedimentos terapêuticos manipulativos, energéticos, vibracionais que visam o tratamento de moléstias psico-neuro-funcionais, músculo-esqueléticas e energéticas. Avaliam as disfunções fisiológicas, sistêmicas, energéticas, vibracionais e inestéticas dos pacientes/clientes. Recomendam a seus pacientes/clientes a prática de exercícios, o uso de de fitoterápicos com o objetivo de diminuir dores, reconduzir ao equilíbrio energético, fisiológico e psico-orgânico, bem como óleos essenciais visando sua saúde e bem estar. Alguns profissionais fazem uso de instrumental pérfuro-cortante, medicamentos de uso tópico e aplicam métodos das medicinas oriental e convencional.

Acupuntor, Acupunturista, Técnico corporal em medicina tradicional chinesa

Família CBO 3221

Inclui: 3221-10 – Podólogo (Técnico em podologia); 3221-15 - Técnico em quiropraxia; 3221-20 – Massoterapeuta (Massagista, Massoprevencionista); 3221-25 - Terapeuta holístico (Homeopata (não médico), Naturopata, Terapeuta alternativo, Terapeuta naturalista) 3221-30 – Esteticista (Tecnólogo em estética e cosmética, Técnico em estética); 3221-35 - Doula

http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/