domingo, 22 de agosto de 2010

Aprendendo acupuntura no ocidente

Um dos dilemas do médico ou profissional de saúde ocidental, interessado na Medicina Tradicional Chinesa (MTC), é saber o quanto da cultura oriental precisa ser assimilado para que se possa entender e praticar acupuntura, por exemplo, com a mesma perícia de um oriental. 

Por outro lado a própria escolha do estudo e prática da acupuntura ou medicina tradicional chinesa parece ser um processo contínuo de (aculturação inversa) de encantamento pelo saber oriental. O desafio entretanto permanece: para aprender acupuntura há de se vencer a barreira das culturas (étnicas), a multiplicidade de idiomas e estudar de si mesmo, para que se possa entender outra forma de ver e sentir o que em chinês significa Chi (Qi - 氣) ou Shén (神 - e/ou mente, espírito ??). Decerto que a formação do acupunturista, não é extatamente análoga a formação de um psicanalista, do qual se exige a análise pessoal (auto-conhecimento) com o mesmo peso dos estudos teóricos e supervisão clínica, ou estágios, contudo a ênfase dada a importância e valor das práticas de meditação (taoístas ou mesmo budistas) nos bons centros de formação em medicina chinesa, evidencia esta exigência. No mínimo as fontes tradicionais do taoismo (o Tao Te King) e da própria medicina tradicional (O livro do Imperador Amarelo) são constantemente mencionados.

O idioma (língua) segundo Matoso Camara Jr. apresenta-se como um microcosmo da cultura. Tudo que a cultura possui se expressa através da língua; e esta é em si mesma um produto cultural. Sem resolver tal paradoxo não há de se ter uma perfeita compreensão da cultura chinesa e de suas tradições. Há que se buscar uma cooperação entre essas ciências. Como disse o mestre Lévi-Strauss, se houvesse uma correspondência absoluta entre a língua e a cultura, os antropólogos e linguistas já teriam se dado conta disso.

O idioma chinês se destaca por sua particular utilização de "ideogramas", que por sinal não correspondem necessariamente a ideias, como interpretou Bertrand Russel no seu livro "O problema da China" (1922). Segundo Fischer (2009) os caracteres da escrita logográfica chinesa representam palavras - morfemas (o fragmento mínimo capaz de expressar significado) monosilábicos únicos ou combinados. Alleton (2010) calcula que um dicionário usual comporta de 3.000 a 9.000 caracteres (sinogramas) para essa escrita morfo silábica ou logo-gráfica escrita, com cerca de 1.250 sílabas diferentes - o fonema equivalente a cada sílaba e o contexto da fala é o que orienta a escolha dos "ideogramas". Ressalta que o grandes dicionários (enciclopédicos) podem chegar a 45.000 formas gráficas diferentes. 

Contudo, de qualquer sorte, um dos méritos notáveis da escrita chinesa é a manutenção de sua relativa uniformidade ao longo da história, além da possibilidade de comunicação que criou entre as dezenas de etnias que convivem em um mesmo território, com distintos idiomas e dialetos, transcritos da mesma forma. Decerto pode se perguntar se o domínio destes mesmos signos podem contribuir para compreensão integração da acupuntura nas distintas vertentes da ciência e cultura ocidental? Hipótese esta que poderá ser respondida por pesquisa empírica da ampla difusão da prática da acupuntura no ocidente. Segundo o Instituto Confúcio da UNESP, considera-se que alguém que domine a língua chinesa escrita, conheça em tono de 2.000 "ideogramas" Um especialista em Medicina Tradicional Chinesa, que reconheça o nome original dos pontos e meridianos da acupuntura, o nome das principais sídromes de acordo com os pricípios do Yin/Yang e Cinco Elementos (ou movimentos) e pelo menos o nome de uma centena de plantas, ervas e formulações chinesas deve reconhecer uma média de 500 "ideogramas"

Yu-Kuang Chu observou que, por não ter como predominante na estrutura da sentença a relação sujeito - predicado o chinês não desenvolveu a noção de lei da identidade na lógica nem o conceito de substância em filosofia, essenciais para refletir sobre as noções de causalidade e ciência (no paradigma ocidental). O chinês desenvolve, em lugar disso, segundo esse autor, uma lógica correlacional, um pensamento analógico e um raciocínio relacional extremamente úteis em teoria sociopolítica, ética e filosofia da vida.

Outra relação entre linguagem chinesa e pensamento pode ser estabelecida por correlações entre os hemisférios cerebrais, como assinala Carneiro: o lado esquerdo do cérebro reconhece letras e palavras, enquanto o lado direito reconhece faces e padrões geométricos. O nosso alfabeto, por ser silábico, estimula o lobo esquerdo; os ideogramas dos orientais, utilizando símbolos, desenvolvem o lobo direito. Uma ciência baseada do sentimento e intuição pode advir das características linguísticas referidas.

A antropologia, por sua vez, permite-nos uma abordagem êmica (do sistema em si) e étnica (do sistema em relação a outros) de sua prática, ou seja, é preciso compreender o que são tais fatos sociais: o "ritual" clínico, processo diagnóstico - terapêutico, para aqueles que os vivenciam, bem como quem são esses pacientes e principalmente quem são esses aprendizes, mestres e naturalmente o que eles aprendem e praticam. Poderá responder algumas perguntas mas, diz-se em acupuntura, que somente com a prática e a observação do paciente e de suas reações se aprende a sentir o Chi, o que é uma conquista individual.

Pode se dizer que autoconhecimento resultante da meditação ou introversão, capaz mesmo de alterar a personalidade (Jung, 2022) e produzir calma é tão relevante para MTC como o bem estar resultante nas alterações da sensibilidade resultantes da ação da acupuntura nesse princípio imaterial do chi em seu fluxo nos meridianos enquanto trajetos, ciclos e pontos, aqui mostrados nos vídeos do Dr. Wolfgang J. Schneider (expostos abaixo). Requer a auto-análise, como referido, e a reflexão que os orientais e os xamans buscam por meio da meditação (deslocamento da consciencia do mundo externo para o mundo interno (Menezes e Dell'Aglio, 2009). De certo modo a formação de profissionais desta prática deveria se aproximar da proposição de aprendizado da psicanálise no ocidente, priorizando a observação da relação médico - paciente, onde, como dito, a saúde mental e a análise do analista são pré-requisitos do futuro analista.

A relação mestre discípulo onde um mestre auxilia e acompanha seu discípulo em dificuldades, que não são apenas a memorização de regras e regiões anatômicas, aproxima-se da análise didática da psicanálise porque é nessa relação supervisionada de curador - cliente, médico - paciente ou analista - analisado que sente a própria energia (traduzível como calma, vitalidade, odor, etc.) e a energia do outro no qual pretende intervir descobrindo o local exato do ponto de acupuntura, cuja apresentação em diferentes corpos ele aprende a identificar pela medida "cun" ou "medida do polegar" do paciente, e a profundidade de inserção da agulha, que varia com o giro feito por seus dedos em movimentos de sedação ou tonificação enquanto observa a "chegada do Chi", algo que os manuais não podem ensinar.






Fontes:

Alleton, Viviane. Escrita chinesa. RGS: L&PM, 2010

Carneiro, Celeste. Lateralidade, Percepção e Cognição. Revista Cérebro & Mente(Nucleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas) Junho de 2002
Disponívem em: http://www.cerebromente.org.br/n15/mente/lateralidade.html - Consultado em Outubro de 2010.

Chu, Yu-Kuang. Interação entre linguagem e pensamento chinês. in: Campos, Haroldo. Ideograma, lógica, poesia, linguagem. SP: Cultrix - Ed USP, 1977

Fischer, Steven Roger. História da escrita. SP: Ed. UNESP, 2009

Frietzen, Priscila História da Acupuntura Clássica Chinesa http://www.priscilafrietzen.com.br/2009/07/01/acupuntura-classica-chinesa/, 2010

Jung, Carl G. A psicologia da Yoga kundalini. Petrópolis, RJ: Vozes, 2022

Levi-Strauss, Claude. Língüística e antropologia. in: Levi-Strauss, C. Antropologia estrutural. SP: Cosac Naify, 2008

Matoso Camara Jr., J. Introdução à línguas indígenas brasileiras. RJ: Museu Nacional, 1965

Menezes C.B.; Dell'Aglio, D.D. Os efeitos da meditação à luz da investigação científica da psicologia: revisão de literatura. Psicologia, Ciência e Profissão, v.29, n2, p. 276-289, 2009

Nan-Ching, o clássico das dificuldades, Tradução do chinês e notas de Paul U. Unschuld. SP: Roca, 2003

Qi Meridiane -- Einführung von Dr. Wolfgang J. Schneider 1/2

Qi Meridiane -- Einführung von Dr. Wolfgang J. Schneider 2/2

Acupuncture Products http://www.acupunctureproducts.com/acupuncture_meridians.html